As meninas da seleção

Ora, quem já se viu uma menina jogar futebol no meio dos machos… Credo cruz três vezes… Essa foi a reação na cidade de Dois Riachos. Teria sido a mesma coisa em Cabaceiras ou Cuité, em qualquer lugar desse mundão de Deus, onde se olha de banda o que foge aos paradigmas culturais presos ao passado.

Marta escandalizou sua terra. Pequena cidade do sertão alagoano, na divisa com Pernambuco, perto de Paulo Afonso, Dois Riachos é mais ou menos do tamanho de Puxinanã. Duvido que a leitora tenha ouvido falar de Dois Riachos. Mas, certamente, conhece Martinha, eleita a maior jogadora de futebol feminino do mundo, em 2006, e segue, aos 21 anos, craque no campeonato mundial que se realiza na China.

Marta Vieira da Silva estudou no colégio estadual, jogou pelada com os meninos, num campinho de areia debaixo da ponte sobre um rio seco. Empolgava a torcida do time amador de Dois Riachos. Nessa época fez seu primeiro gol olímpico. Apostou que faria outro na mesma partida. Não é que fez? Ganhou a aposta. O macho rendeu-se à qualidade de seu chute. Mesmo não lhe reconhecendo os dotes femininos, teve que beijar o pé esquerdo em cumprimento do trato.

Daquela lonjura, (aliás, nem tão longe assim, Dois Riachos fica a menos de 180 km de Maceió) Marta foi fisgada pelo Vasco da Gama, ainda menor de idade, para cumprir trajetória de craque na seleção brasileira, brilhou, fez gols, driblou gringas, fez-se vice-campeã mundial. Foi esbarrar na Suécia, onde é atleta do Umea, time que, ano passado, sagrou-se campeão sueco, graças aos 21 gols da menina de Alagoas.

A menina, que enfrenta preconceitos sociais de toda a sorte (pobre, nordestina, meio índia, sertaneja), curvou a grande imprensa brasileira obrigada a abrir largos espaços e jogar Dois Riachos no noticiário. “Tenho o maior orgulho de ter nascido aqui”, disse Marta, ao desfilar em carro aberto pelas ruas estreitas de sua terra, em dezembro de 2006.

Orgulho? Temos de você, Marta. E de todas essas meninas, vencedoras, que têm dobrado a arrogância do primeiro mundo com jogadas do futebol-arte. Com raça. E um nadinha de ajuda, se comparada ao aparato de apoio dado ao futebol masculino. O orgulho é de todas, Aline, Formiga, Pretinha, Andréia, Daniela. De todas, porém, o peito bate forte por Marta, sertaneja do semi-árido, que exalta sua terra, perdida no mapa do grande sertão. E, nariz arrebitado, enfrenta preconceitos arraigados desde sempre.

Publicado no jornal O NORTE, de João Pessoa, 25/09/2007

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