Anti-fábula para adultos

É assim: elas vêm vindo como bolhas de um sabão interminável. Pulam, aos montes, indefesas, estourando suas inocências, irradiando uma fantasia universal. Algumas delas escapam, promovem-se nos jardins, nas bicicletas e nos combates eletrônicos. Outras delas vêm vindo, mas são dissolvidas em poucas horas, como um anti-ácido efervescente rumo ao estômago do mundo. Algumas, também, na falta da pílula, conhecem o lixo bem cedo e, de amigos, têm gatos, ratos, cachorros e outros solitários da rua.

É assim: elas vêm vindo como vegetais, brotando nos asfaltos, nas esquinas, nos morros. Pingam piolhos e desesperança e choram sob um tapete de engano e miséria. Mas algumas delas ainda têm nome, sabem assobiar, chupar siriguela e brincar de doninha-da-calçada. E em creches ou escolas, começam a imaginar que o futuro é um doce planeta iluminado.

É assim: elas vêm vindo, puxam nas nossas saias, perguntam quem está dentro da TV, qual o endereço do Noel, se o céu é muito distante, que estória é essa de cegonha… As crianças vêm vindo, daqui e dali, e não podem saber que o chão é só o chão mesmo, o eterno solo, detentor da prova da gravidade. Algum dia, elas virão, convictas de que “pátria” é expressão de primeiro mundo; aí, talvez, já estejam na fase adulta.

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