Academia Cajazeirense de Artes e Letras

Discurso pronunciado pelo presidente da ACAL, Francisco Sales Cartaxo Rolim, quando da instalação solene, no dia 24 de maio, no Cajazeiras Tênis Clube.

Senhor prefeito municipal, José Aldemir, amigo de longa data

Professor Damião Ramos Cavalcanti, presidente da Academia Paraibana de Letras, secretário de cultura e representante do govenador João Azevedo

Professor Antônio Fernandes, diretor do campus de Cajazeiras, da Federal de Campina Grande

Senhor deputado Jeová Campos

Meus confrades Francelino Soares e José Antônio de Albuquerque

Peço permissão para saudar os que vieram de São João do Rio do Peixe, São José de Piranhas, de Mauriti, no Ceará, e de outras cidades próximas. Saúdo também quem nos escuta através das emissoras de rádio que transmitem esta festa.

Meus confrades e minhas confreiras.

Eu vou ler o papel que escrevi na solidão do intelectual. Mas antes de ler este papel, quero lembrar uma coisa que está no meu coração. Quero lembrar que neste local foi construída a primeira casa que deu origem à cidade de Cajazeiras. Foi construída e foi destruída. Houve quem se opusesse a derrubada da casa de Mãe Aninha. Mesmo assim, “em nome do progresso”, Cajazeiras se desfez de parte de sua memória física. Não falo isso porque estou com raiva, me emociono, não posso negar. Mas falo para dizer, aos que aqui estão e aos que me ouvem, que a Academia Cajazeirense de Artes e Letras não vai remexer nisto, pois dentro da ACAL há uma das figuras que lutou contra a derrubada da casa, Cristiano Cartaxo, meu pai. Está também na ACAL, um dos que foram responsáveis pela destruição, Hildebrando Assis. Como se pode notar, a ACAL é plural. Aqueles dois personagens hoje são nossos Patronos. Da mesma maneira que, entre os acadêmicos, há os sisudos, compenetrados, austeros, como Paulo Andriola, e os descontraídos e irreverentes, como o professor Naldinho Braga. Assim como entre os acadêmicos existem diferenças, há também entre os Patronos. Esta Academia plural deve ser a marca de nossa ação de agora em diante.

Agora vamos à razão.

Antes disso, porém, eu quero fazer uma saudação especial aos membros da Academia Paraibana de Letras, que se deslocaram de João Pessoa até Cajazeiras. Peço para citar José Octávio de Arruda Mello, em nome de quem saúdo todos os demais. E mencionar um quase acadêmico, que também compõe a caravana da APL, o ex-senador Roberto Cavalcanti.

Agora, sim, vou ler o discurso que escrevi.

Esta festa começou lá atrás, ainda no século passado. A Academia Cajazeirense de Artes e Letras não nasceu ontem. Tem história. Primeiro, foram os desejos. Um olhar para o mundo e um suspiro: por que não uma academia de letras em Cajazeiras? Depois, vieram as tentativas que ficaram pelo caminho. Cristiano Cartaxo foi pioneiro. Sou filho. Sou suspeito. Mas não posso apagar fatos históricos, ancorado em falsa modéstia de herdeiro de Cristiano Cartaxo, embora sem herdar a veia poética.

Por isso, recorro ao historiador Deusdedit Leitão.

“Dentre tantos que se dedicaram às atividades dos cajazeirenses o que melhor as interpretou, pela comovente dedicação e desmedido amor ao torrão natal, foi o poeta Cristiano Cartaxo, meu dileto e fraternal amigo. Ele havia fundado, alguns anos antes, o Centro de Artes e Letras de Cajazeiras e, ao restaurá­-lo, honrou-me com o convite para integrar a nova diretoria como seu secretário. Lembro-me, com emoção, da sessão solene realizada a 20 de junho e 1954, no Edifício OK, quando todos aplaudiram a figura veneranda do nosso poeta maior rejuvenescido pelo idealismo que pulsava em seu peito sempre que se voltava para qualquer iniciativa que significasse o primado cultural da nossa cidade.”[1]

Palavras de Deusdedit Leitão.

O Centro de Artes e Letras, criado por Cristiano Cartaxo, não durou muito. Ficou o “Artes”, restaurado agora sob o efervescente momento de agitação cultural, proporcionado pela administração do prefeito de Cajazeiras, José Aldemir Meireles, com o entusiasmo ilimitado do secretário de cultura e esportes, Ubiratan de Assis.

Meus confrades e minhas confreiras

Vieram outras tentativas. A mais robusta, data do ano 2000, quando dos festejos do bicentenário de nascimento do padre Inácio de Sousa Rolim. A ideia de Edme Tavares tomou corpo. Cresceu. Chegou-se a criar uma Comissão Provisória com nomes de escritores, jornalistas, historiadores. Até existiu uma ata, escrita por um secretário ad hoc. Apesar de toda a pompa e circunstância, do amplo registro na mídia radiofônica e no Gazeta do Alto Piranhas[2], de José Antônio, a Comissão Provisória sumiu, desapareceu. Morreu também essa tentativa de instalar a Academia.

Restaram gestos isolados.

Neste começo de século XXI, vez por outra, escutava-se uma voz. Uma voz sem eco. Até que em 2017, um pequeno grupo de intelectuais, remanescente do ano comemorativo de 2000, recomeçou a caminhada. Alguns já haviam morrido, Ivan Bichara, Deusdedit Leitão, Edme Tavares, Rosilda Cartaxo, João Rolim da Cunha. Foram estes os nomes que me lembrei daquele tempo e que desapareceram no intervalo de 15 anos. Palmas para os companheiros que faleceram.

Nos deparamos então com uma prosaica surpresa: a ata da sessão solene de 22 de agosto de 2000 também sumiu. Mesmo assim, decidimos tomar o ano de 2000 como o marco da fundação da Academia Cajazeirense de Artes e Letras, muito embora, só concretizada agora, de fato e de direito, aliás, de modo bem mais amplo, captando com firmeza e consciência a diversidade cultural, histórica e artística de Cajazeiras. Impossível dar as costas ao passado de uma cidade que tem, em sua origem, características singulares, mercê da presença do padre Inácio de Sousa Rolim. Presença atuante, pioneira, definidora no campo do ensino no interior do Nordeste. Nunca é demais repetir, padre Rolim trouxe para Cajazeiras, quando Cajazeiras era um arruado insignificante, a marca da educação muito além das primeiras letras. Aqui, vieram estudar em regime de internato, nos meados do século XIX, jovens da Paraíba, do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco. E daqui saiam preparados para ingressar nos seminários católicos, nas pouquíssimas faculdades de direito e medicina existentes no Brasil imperial. Na verdade, apenas duas de ciências jurídicas e sociais, Recife e São Paulo, e duas de medicina, Bahia e Rio de Janeiro. 

Cajazeiras, uma simples povoação do município de Sousa, fez-se um centro de irradiação de conhecimento, atraindo famílias que aqui se instalaram com seus negócios. Sempre bem-vindas, foram os primeiros cajazeirados. É emblemático este fato histórico: a primeira feira semanal ocorreu cinco anos após o colégio do padre Rolim estar funcionando, na remota década de 1840! Muitos dos rapazes que beberam da água do primitivo açude construído, aqui do lado, por Vital de Sousa Rolim, tornaram-se mais tarde figuras de expressão nacional, como o cardeal Joaquim Arcoverde e padre Cícero Romão Batista. Cito somente estes dois, de propósito. Um, vindo do agreste pernambucano, trazido pelo pai, Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti, o famoso capitão Budá. Do outro, nem preciso falar.             

Por que relembro fatos tão conhecidos?

Para realçar a sintonia entre a história de Cajazeiras e a ACAL. Sintonia que está expressa no elenco de Patronos escolhidos para eternizá-los, a começar pelos personagens mais representativos de nossa formação: padre Inácio Rolim e Mãe Aninha. A originalidade da constituição de Cajazeiras, fundada no ensino, nos faz diferentes. Não que isso seja um galardão. É fundamento. Fundamento e justificativa para exibirmos, entre nossos Patronos, grande número de educadores. Não apenas entre os pioneiros. Por quê? Ora, a tradição educacional, nascida com o lugarejo das cajazeiras, prosseguiu anos a fio até hoje, oscilando, é bem verdade, em diferentes fases, amoldada às condições objetivas de cada tempo histórico.

Não podemos mudar os fatos históricos.

Nem devemos alterá-los para ajustar aos olhares e saberes de hoje. Padre Rolim e seus discípulos ajudaram a formar significativa parcela das elites sertanejas. Seus sucessores, comandados pela Igreja Católica Apostólica Romana, sobretudo após a criação da diocese de Cajazeiras, em 1914, mantiveram a hegemonia do ensino, quase o monopólio, até os anos de 1960. Só então, forte mobilização da sociedade cajazeirense obteve sucesso, ao conquistar o primeiro colégio público do ensino médio. (Abdiel Rolim, ali sentado, um acadêmico oitentão, foi um dos que estiveram à frente dessa luta!). Refiro-me ao Colégio Estadual Crispim Coelho, professor de muitas gerações, irmão de monsenhor Sabino Coelho e dom Moisés Coelho, três personagens fundamentais para consolidar a tradição do ensino religioso em Cajazeiras.

Faço um parêntesis para dizer que entre nós, acadêmicos, o confrade Antônio Bandeira será muito assediado para aprofundar essa história. Não importa que seja coronel-engenheiro do Exército, ele terá que se voltar para os ancestrais da família, a qual se uniu pelo casamento com Maria Clara, neta de Crispim Coelho, e mergulhar nos livros de matrículas da escola. A ACAL antes mesmo de instalar-se, aliás, já prestou um grande serviço à história cajazeirense, ao recuperar dois importantes documentos para conhecermos parte da história de Cajazeiras, na primeira metade do século XX. Um deles, o da escola da professora Vitória Bezerra, garantiu a presença da confreira Mariana Moreira nesta Academia. Ela já estava prestes a desistir da biografia de sua patronesse até que o livro lhe chegou às mãos. [3]

Meus amigos e minhas amigas

Impossível desprezar os fatos históricos.

Daí porque a Academia de Artes e Letras de Cajazeiras ostenta tantos sacerdotes entre seus homenageados. Poetas, historiadores, jornalistas, escritores, quase todos deram, também, sua contribuição como educadores, que se alinham a outros Patronos ligados à preservação de nossa memória, mediante pesquisas minuciosas em arquivos eclesiásticos, em cartórios, em jornais velhos e guardados familiares. A ACAL, antes mesmo de instalar-se, já tirou do quase esquecimento pedaços de nossa história, esparsos em periódicos antigos, mantidos aos trancos e barrancos no século XX por cajazeirenses e cajazeirados, que hoje nos honram com seus nomes em Cadeiras da Academia.

Em síntese, o Letras, no nome de nossa Academia, tem essa cumplicidade com a história de Cajazeiras. Isto faz parte do traço distintivo de nossa terra. Não escolhemos ser diferentes. Nossa formação histórica nos faz diferentes.

Confreiras e confrades

E que dizer das artes?

Começo pela sua difusão. Àquela plêiade de heróis, que fizeram jornalismo escrito numa época de extrema dificuldade, juntaram-se figuras representativas da radiodifusão, desde os pioneiros serviços de alto-falantes às primeiras emissoras de rádio. Os que surgiram depois, conservam a tradição de difundir a cultura popular. Repentistas, violeiros, cantadores, poetas nascidos no seio do povo têm nas emissoras de rádio veículos de divulgação, antes, só encontrados no cordel, nas feiras, nas cantorias de fazendas, sítios, engenhos e povoados, nas pelejas versejadas.

Por isso, radio-jornalismo e poesia popular estão presentes na ACAL. 

Da diversidade de manifestações culturais, nem é preciso falar. É só olhar ao redor. Iniciativas diversificadas se expandiram em situações e ambientes variados, modulando-se em ciclos e intermitências, inerentes aos movimentos artísticos conduzidos por grupos amadores de teatro, de dança, música e recitais de poesias. Isso lá atrás. Saímos da ingenuidade escolar para a formação de teatrólogos, atores, atrizes, cineastas no final do século XX. Encorpou-se a diversidade cultural, robustecida pelo saber universitário e pela experiência adquiridos lá fora por jovens entusiastas com a magia do cinema, do teatro, da música, da dança, das raízes sertanejas e da produção cultural.

A ACAL exibe, assim, no próprio nome essa corrente cultural, até mesmo destoando da denominação da maioria das entidades congêneres. Não o fizemos para sermos exóticos. Mais uma vez, buscamos sintonia com o mundo real que nos cerca, buliçoso, irreverente, por vezes, atrevido, cheio de efervescência e criatividade. Esse mundo está aqui representado por vários Patronos e acadêmicos fundadores. Não invento, é só conferir os nomes nas duas relações.

Poetas, jornalistas, escritores, políticos, memorialistas, historiadores e cientistas, construtores do amplo mundo da cultura, projetaram Cajazeiras além de nossos limites. Personagens com atitudes, condutas e ações quase desconhecidas das gerações atuais. A ACAL elegeu alguns desses nomes como Patronos, avivando em nossa memória quem ajudou, dentre tantos outros, a construir nossa identidade. Esse esforço, aliás, já produziu frutos ao revolver fatos e gestos. Muito mais visível ficará quando vier à lume a publicação dos 38 perfis biográficos dos Patronos da ACAL. São os passos iniciais da nossa Academia na caminhada para a preservação do nosso passado.

Meus prezados confrades e confreiras

E o futuro?

O futuro depende de todos nós, acadêmicos, que hoje tomamos posse como fundadores da ACAL. O futuro depende, também, de Cajazeiras. Só assim, teremos sucesso no propósito de construir uma Academia duradoura e útil para a cultura e as artes de nossa gente. Só com interação firme poderemos incorporar as forças atuantes na sociedade cajazeirense, nas escolas, colégios e centros universitários, por meio de concursos literários, debates, exposições, mostras fotográficas e outras formas de estímulo à difusão cultural além dos limites acadêmicos.

Hoje começa mais do que um sonho. Aqui se falou em desejos e sonhos. O professor Damião Ramos foi muito enfático, até brincou com estas duas palavras. Hoje começa mais do que um sonho. Começa um desafio. Um enorme desafio para os primeiros ocupantes das Cadeiras da Academia Cajazeirense de Artes e Letras: honrar nossos antepassados, aqueles que fizeram Cajazeiras singular e exuberante. E sob a inspiração dos pioneiros avançaremos em busca de novas conquistas, agora, ancorados no sonho de empreender uma construção coletiva.


[1] Leitão, Deusdedit. Inventário do tempo (Memórias). Pp. 293,284. João Pessoa: Empório dos Livros, 2000.

[2] Gazeta do Alto Piranhas. Cajazeiras; ano II, nº 89, de 3 a 9/set/2000.

[3] São dois livros oficiais, abertos por autoridade da instrução pública estadual. Contêm dados referentes à idade, filiação, origem etc. dos alunos de Crispim Coelho e das alunas de Vitória Bezerra, desde a primeira década do século XX até os anos de 1930. Foram conservados por familiares do professor Crispim Coelho (1872-1978). Será fonte de pesquisas históricas para estudiosos, professores e estudantes universitários e do ensino médio. 

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