Estaremos vivendo amanhã a celebração da Sexta-feira da Paixão, acontecimento que marcou a condenação e morte de Jesus Cristo. E o episódio, ocorrido há quase dois mil anos atrás, nos leva a refletir sobre a volubilidade das multidões. O Filho de Deus conheceu bem essa característica de comportamento das massas. O mesmo povo que o aclamara quando da sua entrada triunfal em Jerusalém, decidiu a sua condenação, aos gritos de “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Mas Ele se entregou àquele martírio porque tinha uma missão a cumprir, determinada pelo Pai: salvar a Humanidade.
Por mais que Pilatos dissesse que não enxergava motivo que justificasse a sua crucificação, a multidão, insuflada pelos sumos sacerdotes da igreja judaica, exigia aos brados que fosse executado, pregado a uma cruz. Muitos gritavam, e outros, talvez os que não concordavam com aquela decisão drástica, ficavam calados, com medo de se manifestarem. Os líderes religiosos convenciam os populares de que Ele solto se tornaria um perigo à doutrina que professavam.
As multidões são guiadas por ordens sutis que mexem com as emoções, produzem sensações, afloram sentimentos. Perdendo a individualidade, o ser humano, deixa de raciocinar por si próprio e é arrastado como um animal irracional para atitudes, muitas vezes explosivas, que ferem os princípios de justiça e de respeito ao direito de outros. Passa a ser orientado por “palavras de ordem”, ajustadas a interesses arriscadamente estranhos aos que antes defendia.
“A mão que afaga, é a mesma que apedreja”, já nos ensinava o conterrâneo Augusto dos Anjos. A mesma multidão que um dia aplaude, festeja, reverencia, pode ser a mesma que, pouco depois, comunga reações iradas, raivosas, violentas, em situações ocorridas em tempos diferentes e contextos outros. O humor das multidões varia de acordo com as circunstâncias. Não se exprime por força da racionalidade, se revela através das contingências emocionais.
Quantas vezes nos surpreendemos gritanto: “Crucifica-o! Crucifica-o!”, ao meio de manifestações coletivas, sem nos darmos a oportunidade de analisar, com tranquilidade, se estamos sendo corretos, justos e honestos conosco mesmos? Fazendo prejulgamentos, sem oferecermos chance do acusado se defender ou explicar os motivos que o levaram a ser apontado como vítima de uma incriminação?
Jesus, por sua condição de divindade, conhecia bem esse aspecto volúvel no comportamento das multidões. Por isso mesmo, Ele dedicava mais atenção ao indivíduo, procurando fazê-lo compreender que seus julgamentos devam ser presididos pela consciência ditada pelo coração, onde prevaleçam os sentimentos de fraternidade, amor ao próximo, respeito à justiça e serenidade. Reflitamos um pouco sobre isso nesse dia. Evitemos ser levados pela insensibilidade que caracteriza as manifestações coletivas, agindo impulsivamente, provocados por processos estratégicos de sedução das massas.
Se estivéssemos naquela sexta-feira acompanhando o martírio de Cristo, não estaríamos igualmente gritando: “Crucifica-o! Crucifica-o”, abdicando da capacidade de julgar solitariamente conforme estabelecesse a nossa própria consciência? Estaríamos integrando aquela turba agressiva, atacando todos aqueles que ousaram ficar em silêncio, o que não deixava de ser também uma atitude de covardia? O homem-massa se apodera do julgamento do outro, porque acredita que julgamento não é uma manifestação da individualidade, mas sim exercício de poder. Pensemos nisso nesta Semana Santa.