A chuva do caju

Um dos trabalhos de assessoria de comunicação mais dignos que já fiz foi para a União Municipal das Associações Comunitárias Rurais de Cajazeiras (UMACC). Nascido como um item a mais para minha bagagem em trabalho específico com entidades de classe, além auxiliar minha vida financeira, a experiência foi surpreendente.

Eu havia conhecido o presidente da entidade, João Simão, antes de trabalhar com ele. Fui numa espécie de excursão, com um grupo de amigos, conhecer o local onde ele morava: a magnífica Serra do Vital. Essa aventura turística é noutra crônica, com certeza.

Meses depois desse passeio, estava eu sendo convidada por João para uma reunião com a diretoria da UMACC, num recanto provisório no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Por mais urbana que eu fosse, fiquei à vontade com a turma. Os dizeres, as múltiplas formas de falar as coisas do dia a dia, os cacoetes ou improvisos da fala: tudo era muito próximo. Meus pais e avós maternos e paternos tinham os pés na roça: minha ancestralidade tem aquele cheiro de mato, aquela maneira peculiar de analisar a vida, aquele costume de adivinhar chuva.

Comecei a editar o Informe Rural, um periódico com rotatividade mensal, depois bimensal. O desafio era transportar para o papel, um impresso tamanho A5, de vinte e poucas páginas, as preocupações do povo da zona rural. Cinco ou seis fotos eram nada, diante do quadro de importância de temas. Três ou quatro matérias, editorial e notas eram um mosquito, diante da necessidade das reivindicações. Complicado resolver essa equação social. Terraplanagens, poços artesianos, açudes, escolas melhores, cursos de capacitação, sementes, eventos esportivos no campo, galpões para armazenamento, incentivo à pecuária, incentivo à ovinocultura, incentivo à caprinocultura. A lista tem muito mais.

Alguns anos depois, em 2011, visitei o tão sonhado recinto que João tanto planejava: Nas Alturas, um misto de pousada e restaurante. Sim, e um palco, sem dúvida, para as cenas musicais que a comunidade tanto queria. A raiz da família Simão está fincada no sítio Terra Molhada, outro lugar gostoso de visitar, antes de subir a ladeira.

É difícil não lembrar da UMACC, sua história, a luta das associações rurais e a relevância do trabalho na agricultura, sem lembrar de João. Seu jeito pacato e tímido, seu olhar disposto ao diálogo e sua cabeça atenta às iniciativas que gerassem renda e alegria para o seu povo: tudo isso era admirável. Que lembrança boa. Que memória rica para os familiares do seu pai, Seu Janoca. Mas, é assim o mundo. A chuva do caju vem e vai com esses sopros de gente fina. Gente da melhor qualidade. Gente que gostava de rock.

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