Santo do pau oco

VALIOMAR ROLIM

Por toda região não se falava noutra coisa, era só pedir com fé que a graça era alcançada. O santo, que aparecera no Cacaré, atraia levas de sertanejos que para lá se dirigiam. Era como se repetisse o fenômeno da Virgem de Aparecida. A esperança renascia, talvez motivada pelo tempo no último ano, poucos dias com chuvas torrenciais e enchentes para depois vir a seca verde.

Quando as águas do rio baixaram, encontrou-se a imagem. Chamava a atenção um detalhe, mesmo vindo na enchente o santo apresentava sinais de que havia sido chamuscado, só podia ser o fogo sagrado. A história espalhou-se. Os corações e mentes sertanejos, desesperançados com as soluções dos desse mundo, ansiosos por uma mágica ou um fetiche que resolvesse seus problemas, configuravam-se no terreno mais fértil para o florescimento milagreiro.

Aninha, desde as primeiras notícias, chamava a atenção de Augusto para o prodígio, sempre fora devota de São Sebastião. Nas últimas chuvas, ele só não salvou o açude quebrado pela pouca fé do seu marido, pensava. Bem que insistira, mas Augusto achava que era carolice dela. Mesmo muito religioso, na sua índole prática, achava que os santos tinham mais no que se ocupar. Mesmo assim, frustradas todas as tentativas de manter o açude, permitiu que Aninha pusesse o santo na barragem. De nada adiantou: desceram o santo e o açude com a enchente.

Mais uma vez seu adorável turrão relutava, teimava irredutível, bastava a romaria anual do que fazia ao Canindé. Agora, ir ao Cacaré visitar o fruto de boatos? Era querer demais.

A insistência maneira, o jeitinho carinhoso e a repetição dos pedidos venceram. Augusto quedou-se à vontade de Aninha, resolveu ir, com todos os onze filhos, à romaria que tanto atraíra sua esposa, afinal era o padroeiro dela.

Aninha exultava, preparou-se e a toda família. Roupa nova para as meninas e domingueiras para os meninos, rosas, velas e dinheiro para o santo, soubera que iriam construir uma capela para ele.

E foram, uma verdadeira comitiva, Augusto em seu arreadíssimo cavalo Telefone, Aninha no seu manso Vistoso, com selim feminino, daqueles em que a amazona vai sentada, com as pernas para um só lado, e os meninos todos montados, fazia gosto ver.

Augusto ficou no terreiro conversando com os amigos, as mulheres são melhores com as rezas, pensava. Mal se instalou a prosa e ouviu-se um burburinho que cresceu a ponto de todos entrarem para conferir. Que susto! Aninha, abraçada à imagem, repetia aos brados: “pelo queimado reconheci, este santo é o meu!”.

VALIOMAR OLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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