O sono do cantor

VALIOMAR ROLIM

Artistas de categoria nacional e até internacional se apresentavam com freqüência em Cajazeiras. Alcides Gerardi e Jairo Aguiar eram figuras carimbadas e passavam temporadas entre os amigos cajazeirenses. Jairo Aguiar chegou a  casar com uma moça de Cajazeiras, a belíssima funcionária do Sr. Álvaro Marques que tantos suspiros apaixonados provocou na época.

Os clubes disputavam com os velhos cinemas Éden e Cruzeiro na contratação de atrações. Dirceu Galvão, Waldemar Rolim, Orcino Guedes (farmacêutico), Assis Temóteo, Otacílio Mendonça, Alcindo Xavier, Leitão da Pernambucana, entre outros, formavam  um grupo que revezava suas casas para reuniões após os shows que, na realidade, mais eram uma apresentação privilegiada.

Naquela noite o Cine Cruzeiro apresentaria a maior revelação da época: Adilson Ramos, o cantor que empolgava pela sua música jovem e romântica. Na casa de Otacílio Mendonça, vizinha ao cinema, a confraria tomava umas cervejas em preparação para o show. Com a alegria da cerveja começava a armação para levar o cantor para mais uma reunião, quando lembrou-se que era a primeira apresentação do cantor na cidade e ninguém o conhecia. Não havia de ser nada, todos os outros não iam? Porque aquele não iria? E contaram com mais um recital privado.

O show foi um sucesso, de tão lotado, quase que os amigos não conseguiam entrar. O cinema quase que cai abaixo com os gritos, assobios e aplausos. Como figuras de prestígio na cidade conseguiram, terminado o espetáculo, entrar no camarim do cantor. Feitas as apresentações, passaram ao convite. O cantor, talvez embalado pelo sucesso meteórico, recusou-se polidamente a participar da festa. Tentou-se de todas as formas convencer o rapaz. Não houve jeito, a recusa foi irrevogável.

Waldemar passou a reclamar do estrelismo do iniciante, da insistência dos amigos e, já que ele não era de acender vela para defunto que não morre, chamou seu compadre Orcino e foram à casa de Otacílio tomar uma gelada.

Depois de meia dúzia de cervejas. Orcino alegava que teria de sair para vender um remédio que manteria um estudante acordado toda a noite, quando o resto da confraria entrou em companhia de Adilson Ramos que aceitara tomar um copo, um só, na companhia do grupo. Waldemar chamou Orcino à cozinha, confiscou o frasco do remédio e, no copo mais bonito da casa, colocou uns cinco comprimidos da droga esmagados.

O cantor agradeceu a atenção, não precisava se dar ao trabalho de escolher um copo especial para ele, era uma distinção especial e ele não era merecedor. Mesmo com tantos agradecimentos terminou o copo, pediu licença e retirou-se.

Na manhã seguinte a dona do Hotel Oriente, ouviu um arrependido Adilson Ramos queixar-se de que passara a noite em claro arrependido e com remorso por ter recusado tão gentil convite.

VALIOMAR ROLIM NO LIVRO ‘O CRONISTA DO BOATO’

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