Conversa mole

VALIOMAR ROLIM

A década era a de quarenta, a localidade era o Olho D’água do Melão, um pedaço do Nordeste brasileiro que fica incrustado na fronteira da Paraíba com o Ceará, próximo à do Rio Grande do Norte e o personagem Waldemar, o mais velho dos filhos homens da viúva Dosanjo e, segundo a própria mãe, o que herdara a calma e serenidade do pai, o falecido mestre Matias que, em vida fora juiz de paz, professor, proprietário rural, além de manter um pequeno beneficiamento de algodão.

Jovem, sadio, trabalhador e possuidor de um cavalo alazão bem arreado, um verdadeiro carro esporte para os padrões da época, Waldemar passava em revista toda a redondeza, dava notícia de tudo que acontecia, conhecia e era conhecido por todas as cabrochas da região sendo, por assim dizer, um dos rapazes bens colocados naquele pedaço de mundo de meu Deus.

Os tempos eram por demais duros, trabalhava-se na roça, na lida com o gado e ajudava-se ainda em algumas tarefas de casa que, à época, eram por demais duras para as mulheres darem conta. Os rapazes faziam uma festa quando eram convidados para darem uma “mãozinha” no pilão, sempre pedindo às irmãs que dessem um jeito para que isso acontecesse quando as amigas delas estivessem por perto, o que ensejaria uma oportunidade estreitar os conhecimentos e quebrar a rotina daquelas vidas lineares. Algumas  dessas tarefas eram verdadeiros acontecimentos sociais, como as desbulhas de feijão que configuravam-se em verdadeiras festas, alem de colocarem-se entre os importantes eventos no calendário festeiro daqueles tempos. Assim como no hemisfério norte o Natal é a festa de mesa mais farta, no nordeste, por ocasião do São João, acontece o mesmo, é o efeito dos celeiros cheios nas festas que acontecem logo após as colheitas. É a alta temporada de festas no interior brasileiro.

A desbulha de feijão da casa de Zezinho Duarte era famosa. A filha dele, conhecida como Maria de Zezinho,  era a moça mais bonita e cobiçada daqueles confins de mundo e qualquer acontecimento que contasse com sua presença era certeza de que a presença dos rapazes seria em massa. Naquela noite a comunidade ficou sabendo que Waldemar e Maria de Zezinho, já há algum tempo, mantinham um namoro. Foi uma ducha de água fria para a maioria dos rapazes, as conversas sempre animadas daquelas ocasiões perderam a graça, talvez por inspiração do clima criado só se falou em almas, visagens e assombrações, coisas muito em voga naqueles tempos.

Terminada a desbulha e saído o último convidado, Waldemar monta em seu cavalo e ruma ao velho sítio Melão. Ainda embalado no doce enlevo de ter estado tanto tempo tão próximo de Maria, olhava e nem via a estrada por onde passava. Era todo sonho. Passou todo o arruado do Olho d’água e nada ou ninguém viu. Só foi acordado daquele idílico e puro alumbramento quando da abrupta riscada que o cavalo deu, pouco antes de passar diante do cemitério.

Ficou temeroso quando viu aquela rede armada do portão do cemitério para uma árvore que tinha em frente. Como seguiria em frente se a rede bloqueava o leito da estrada? Parou, pensou em voltar mas, o que diria à família de Maria para justificar o retorno? O jeito era seguir em frente, mas como? Teve uma idéia, entraria pelo mato, faria uma volta e voltaria à estrada depois que passasse por aquela arrumação. Assustado mesmo, ao ponto de correr em disparada, ficou quando, dentro do mato, a altura do portão do cemitério, cumprimentou o homem deitado naquela rede, elogiando-o por sua coragem de dormir na porta do cemitério e ouviu a resposta que ainda hoje soa, não muito bem, em seus ouvidos:

– Corajoso é você, vê um negócio desses e ainda vem com conversa mole!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO CAJAZEIRENSE

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
Total
0
Share