LUIZ CARLOS ALBUQUERQUE
Mais de meio-dia, o sol derretendo os miolos, a cachaça infiltrada no juízo, burburinho do povo, gritos da meninada, fogos zoando nos quatro cantos, Manoel Estrela montou e disparou, cascalhos voando pra todo lado num trecho, no outro, as ferraduras tinindo e tirando lascas de fogo no calçamento. Invadiu a festa como um raio, puxou as rédeas, o animal levantou as patas da frente, relinchando frenético e estacou. Manoel olhou em volta, encarou o prefeito lívido de susto e anunciou aos berros:
– A danada vem aí! Saímos juntos de Marizópolis, ela perdeu um pouco de força na Serra da Arara, senão chegava primeiro que eu. Quando passa, o fio fica feito brasa. É luz, compadre. É luz!
Tirou do bolso da camisa um pedaço de arribaçã, (Zenaida auriculata virgata) que havia acompanhado a cachaça e proclamou, uma grande admiração, iluminando os semblantes:
– Apanhei na estrada. Encostou no fio, fica torrada. De Santo Antônio pra cá, tem mais de duzentas. Só falta a farofa. É luz, compadre, é luz!
Como chegou, saiu, esporeando, o tropel e afastando-se no rumo da pensão de Edite, onde costumava terminar essas farras de festa. O vereador Chico Sales, com quem fazia parelha, ambos com reputação em coisas da noite e de bordel, puxou as palmas entusiásticas.
Ao entardecer, de repente, o povo já cansando, a luz finalmente chegou, ofuscante e mágica. O povaréu, em uníssono, gritou, reanimando- se:
– É luz, compadre, é luz!
Um coro que foi ouvido a mais de légua, quebrando-se nas colinas e espalhando-se, dilacerado pelos galhos do mofumbo (Combretum leprosum), no Vale do Rio do Peixe.
LUIZ CARLOS ALBUQUERQUE É PSIQUIATRA E ESCRITOR. PUBLICADO NO LIVRO ‘NA FORÇA DA LUA‘