De cócoras na prisão

A televisão mostrou a cela onde alguns presos da Operação Lava-Jato estão hospedados. O destaque foi um buraco no chão que obriga o freguês a ficar de cócoras na hora de despachar excrementos. Alguns viram aquela marmota pela primeira vez. Estranho. Uma latrina tão arcaica em prisão especial para uso de gente sofisticada! Esse tipo de privada era muito comum na zona rural, em pensões e hotéis de beira de estrada. Quem viajou de trem pelo Nordeste, antigamente, e pernoitou em acanhados hotéis na praça da estação conhece muito bem essas latrinas. Ainda hoje existe, disse a meus filhos, para amenizar-lhe o espanto ao ver as imagens na televisão, transmitidas de Curitiba, onde opera o juiz Sergio Moro. Não objetiva humilhar o investigado de colarinho branco, dizem, é para evitar que um vaso sanitário quebrado se transforme em arma contra terceiros. Ou contra si. Portanto, apenas precaução.

Mas tem grande serventia. Facilitar as investigações policiais sobre maracutais praticadas por gente grã-fina: empreiteiros, políticos, doleiros, executivos e outros envolvidos no grande assalto à Petrobras. Imagine o leitor esta cena: habituado ao conforto de amplos espaços, áreas de lazer, piscina, adega, banheiros, vasos sanitários coloridos e perfumados etc. etc., empresário rico ficar acocorado com a bunda apontada para aquele buraco no chão, fazendo força para equilibrar-se no balanço da desobriga final dos dejetos… Pense nisso, leitora amiga. Não há quem suporte tamanha provação no isolamento da hora H! Repetir, diariamente, tal ginástica dói. Dói na consciência.

Difícil imaginar o que se passa na cabeça de poderoso senhor, afeito ao conforto de hotéis de luxo, de carros, iates e jatinhos próprios. O resultado, porém, a gente sabe. O chefe poderoso decide, de cócoras, ajudar à Polícia Federal. Quem pode salvá-lo? A colaboração premiada, que existe no direito brasileiro há muito tempo, mas a Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, sancionada por Dilma Rousseff, ao definir com clareza esse instituto, facilita seu uso com mais segurança legal. A delação premiada fora utilizada por Sílvio Pereira, o Silvinho do PT, no tempo do mensalão. Aliás, o único a fazê-lo. Na Operação Lava-Jato já são doze os delatores. E tem mais gente na fila. Gente que se levanta da incômoda posição e, célere, negocia com o promotor uma punição mais branda em troca de informações referentes às praticas criminosas.

Um avanço, sem dúvida. Não que um buraco no chão determine o rumo da instrução criminal. Mas ajuda. Ajuda o indiciado a pensar melhor, a refletir. Difícil resistir às sentadas diárias naquele crucial momento de solidão, as pernas a tremer no ritual do esforço de sustentar o peso da consciência… Esperar o quê? O conselho de Marcos Valério? Nem precisa! Não há como escapar. O distinto se levanta, limpa o que tem de limpar, encosta-se à grade da cela, e grita:

– Ei, ei, por favor, avise ao promotor… eu quero falar.

E assim o empreiteiro de obras públicas, personagem importante da histórica impunidade da corrupção no Brasil, senta à mesa de gravação e fala. Com o dedo apontando, ele fala o que o delegado, o promotor, o juiz e o povo querem saber. Moral da história: nada melhor para avivar a consciência do que ficar de cócoras numa sentina instalada no fundo da cela de cadeia federal.

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