Ensino formal da sanfona tem crescido na Paraíba e novas gerações ostentam símbolo do povo sertanejo

Juliana Fidelis tem 14 anos e duas vezes por semana pega um ônibus em Jaguaribe acompanhada por seu pai e o irmão pequeno, Júlio César, de apenas oito anos, em direção à Associação Cultural Balaio Nordeste, no Centro de João Pessoa. Juntas, as duas crianças vão em busca de aprender a tocar o instrumento que melhor compreende as lembranças emocionais do nordestino em seus lamentos e festejos: a sanfona. Elas seguem os caminhos do menino albino de Itabaiana, no Agreste paraibano, que aos nove anos tocava o mesmo instrumento em feiras públicas e casamentos, se convertendo em um dos maiores divulgadores do acordeon na música nacional e internacional, em espaços populares e eruditos. Tanto assim que fez da data de seu nascimento, o 26 de maio, o Dia do Sanfoneiro.

Se vivo estivesse, Sivuca estaria completando 93 anos. Ao contrário do que se poderia supor, o ensino formal da sanfona tem crescido na Paraíba nos últimos 10 anos e se tornado cada vez menos dependente de uma tradição que se passa apenas de pai para filho. O sentimento de familiaridade com o som composto por um fole, palhetas e caixas harmônicas de madeira manifestado na história do povo sertanejo também emociona novos praticantes desse instrumento de grande peso cultural. Nessa história sem bodoques, cowboys e reis, Juliana e Júlio César são como ‘João e Maria’, fingem que agora a sanfona era o seu brinquedo. “Desde pequena eu cantava, e meus pais viam que eu tinha um dom para a música e pensaram em me colocar em algum curso”, conta Juliana, que desde sempre demonstrou interesse pela música.

“Quando cheguei no Balaio Nordeste, eu me interessei pela sanfona. Antes, eu tinha medo de tocar. Achava pesado e na hora de colocar os dedos nas teclas, eu não sabia o que fazer quando cheguei aqui. Agora estou sabendo”, se alegra a menina. Carregando no peito e no colo o instrumento de 60 baixos e aproximadamente 12 quilos, a estudante tem como fundamento de sua formação musical canções como ‘Asa Branca’, de Luiz Gonzaga, e ‘Mulher Rendeira’, de Zé do Norte. Mas esta é uma influência que se renova e se diversifica no gênero. “Eu acompanho a carreira de Lucy Alves e me inspiro muito nela. Também me inspiro muito em Luiz Gonzaga”, afirma Juliana, que por sua vez inspirou o irmão e tem orgulho de tocar para os amigos de mesma idade.

Para realizar o sonho de se graduar na sanfona, Juliana e o irmão Júlio César possuem hoje uma rede que garante que sua vocação não precise ser interrompida. Há uma década, a Universidade Federal da Paraíba possui uma licenciatura específica para acordeon, sendo a única do país a fornecer formação superior no instrumento. A Escola de Música Anthenor Navarro (Eman), no Espaço Cultural, oferece curso técnico e o Centro Estadual de Arte (Cearte), um curso básico. Todos esses espaços recebem a cada semestre novos interessados em dominar o instrumento. O Balaio Nordeste conta, atualmente, com 50 alunos matriculados, em uma faixa etária que, literalmente, vai dos oito aos 80.

“O Balaio Nordeste faz justamente esse processo de formação até o aluno chegar à Universidade. Isso só mostra como nós, da Paraíba, somos vocacionados para esse instrumento. Mas ainda temos muito chão pela frente porque esses espaços de ensino formal ainda não chegaram aos nossos interiores”, pondera o professor Lucílio Souza. Essa interiorização é vista como fundamental porque foi o povo da Zona Rural nordestina que tomou para si o instrumento com propriedade e desenvolveu a musicalidade da região através da sanfona. Lucílio Souza é maestro fundador da Orquestra Sanfônica do Balaio Nordeste e faz questão de passar em sala de aula que os nomes que ele louva – como o de seu tutor, Mestre Camarão, e outros como Dominguinhos, Sivuca e Oswaldinho – são vates de muitas qualidades.

Além dos desafios de ampliar o ensino para o interior do estado, onde, especula-se, o instrumento começou a se espalhar através de soldados nordestinos que retornavam da Guerra do Paraguai (1864-1870), existem outras dificuldades de ordem prática para a expansão das aulas de sanfona. A principal é o seu alto custo, que costuma desencorajar alguns alunos. Enquanto um violão pode ser comprado por R$ 400, uma sanfona, por mais simples que seja, não sairá por menos de R$ 3 mil. Isso faz com que os estudantes precisem de mais tempo para dominar o instrumento que não possuem em casa para os treinos diários. Mas seu aprendizado tem garantido cada vez mais oportunidades no mercado musical do país.

É que a sanfona ou acordeon, como alguns preferem chamar, ou mesmo a gaita – nome adotado no Sul do país –, serve a uma gama variada de ritmos, apesar de ainda ser protagonista no forró. “A sanfona está inserida em qualquer gênero musical brasileiro. Vai desde o rock à música sertaneja, do axé ao reggae. Isso desperta o desejo do pessoal também pela beleza do instrumento, que você abraça para poder tocá-lo. Sivuca falava que a sanfona precisa ter espaço nos grandes teatros. Agora, nós temos instituições acadêmicas que envolvem música em João Pessoa onde este instrumento está presente”, diz maestro.

Quando uma criança nordestina toca sanfona, ela mantém sobre o seu colo uma forma de expressão emocional única que ressoa por acordeões melódicos uma capacidade de criar harmonias ricas em diferentes contextos sonoros. Se a destreza manual para executar passagens rápidas e arpejos precisos ainda estão em formação, o que se reafirma no espaço entre uma sanfona e um aprendiz é uma conexão com a identidade cultural de sua comunidade. “Quando a criança passa a estudar a sanfona, ela começa a admirar os grandes mestres. Com o tempo e com o amadurecimento da musculatura, ela vai ter a condição de executar músicas mais complexas. Não é apenas a aula pela aula. A música, assim como a arte como um todo, faz parte da formação humana”, frisa Lucílio Souza.

Lição que já foi aprendida por Juliana Fidelis: “Eu me imagino sendo uma sanfoneira, seguindo nessa profissão”.

COM INFORMAÇÕES DE A UNIÃO

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