Voto religioso e Lula presidente

Costumo ir ao cabelereiro no bairro de Casa Amarela, há muitos anos. Muda o barbeiro, mas eu não mudo. Quem cortou meu cabelo, ontem, foi um jovem de uns 30 anos, que terminara de atender um cliente. Sozinhos, já instalado na cadeira, puxei conversa.

– Em quem você vai votar para presidente?

– Em Bolsonaro.

– Posso perguntar por quê?

– Eu acompanho a agenda dele pela internet, no grupo, entende? Mas vejo também as propostas dos outros.

– Muito bem, mas por que você escolheu Bolsonaro?

– As coisas que ele faz, que ele defende… veja bem, Bolsonaro é contra a legalização da maconha, uma desgraça, sabe como é, perto lá de casa vejo um bando de maconheiros… ora, se a maconha for legalizada eu não posso nem chamar a polícia, o senhor entende?

– Mas você acha que prender maconheiro resolve? Eles são vítimas, você não acha?

– Bem, os traficantes estão por trás e …  

– Qual é sua Igreja?

– Batista.

A resposta veio pronta. Argumentos racionais não adiantam. Mesmo assim, espichei o papo para além da maconha e dos costumes. Sem tocar no nome de Lula, um nordestino migrante em pau-de-arara, puxei a conversa para problemas materiais da população pobre. Não tinha a intenção de mudar o voto de Zé Antônio. Queria apenas entender a lógica de sua convicção. Fez ouvido de mercador.

– E o senhor, vota em quem?

– Eu voto em Lula e vou lhe dizer por que.

Então falei das desigualdades sociais, de transferência de renda, das mudanças reais na vida das pessoas nas periferias das grandes cidades. Lembrei a comida na mesa de todos, graças aos programas permanentes do governo de Lula, do desenvolvimento do interior, onde foram criadas muitas faculdades, escolas técnicas profissionalizantes, que abriram oportunidade de trabalho para milhões de jovens. Jovens que poderiam ter caído na malha de traficantes de drogas, mas hoje estão aí com emprego decente e são o orgulho dos pais, da família, de sua cidade. Falei da visita que fiz, em 2017, a um túnel de 15 km, entre o Ceará e a Paraíba, por onde hoje passam as águas da transposição do São Francisco.

Narrei casos de tortura.

Citei o nome do coronel Brilhante Ustra, herói de Bolsonaro.

Em nenhum momento nossa conversa foi agressiva nem sequer elevamos a voz. Quando eu já ia saindo, ele pegou no meu braço:

– O senhor não vai ficar com raiva de mim?

– De maneira nenhuma, daqui a um mês eu voltarei para gente falar de Lula-Presidente.

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