Um minúsculo anjo de flor

A pequena semente da rosa seda baila no ar, tangida por uma suave e morna brisa de setembro. O seu delicado penacho branco desenha inimagináveis traços no azul do céu. E rodopia em gingados e malabarismos como a exigir plateias e assistências muitas e gentis.

Uma rajada mais forte de vento lhe usurpa o lugar, arremetendo para recônditos sombrios. No alto de um poste os carcarás gralham em movimentos ligeiros de asas e bicos. Uma rouca buzina de automóvel lembra o presente urbano. Em um terreno baldio a rosa seda, com suas murchas folhas outonais, desabrocha suas flores secas que espalham sementes e penachos pelo ar. E trazem cores e sons de infância.

E me encontro nos terreiros de Impueiras, entre gritos e alaridos de meninos, sonhando em correrias e saltos no desafio de capturar a pequena semente e seu serelepe penacho que se enroscava em imaginárias curvas de ventos e trocos de cajazeiras e imburanas.

Escuto sons melodiosos de pássaros e divido a aventura de capturar a buliçosa semente da rosa seda com canários, bem-te-vis, rolinhas, cardeais. Aves abundantes em copas de juazeiros, trapiás, marizeiras, baraúnas. Passarinhos que dividiam seu tempo com os folguedos de crianças e a sorrateira captura de grãos de arroz amadurecidos em cachos amarelos a enriquecer de ouro baixios e farturas de mesas e pratos famintos.

E a solitária semente da rosa seda volta ao palco. Será ela? Ou outra “pariceira” que se desprendeu da amadurecida flor e, tangida pelo vento, ocupa o cenário da rua, destoando a paisagem urbana de carros, buzinas, sons, muros altos que isolam e desumanizam. Um arremedo de floresta improvisada na acanhada pracinha dá rusticidade ao urbano, abrigando um magrelo cavalo largado ao léu pela improdutividade da idade. Um desgarrado bem-te-vi solta um lânguido e esticado canto como a expressar o desejo de reencontrar os tantos outros de sua espécie, tangidos para lugares longes, ou exterminados pelo egoísta desejo do homem em avança sobre a natureza, lhes roubando a ordem, somente e apenas para produzir lucros, e reduzir vidas.

E a derradeira semente da rosa seda toca meus cabelos e afaga meu rosto ao ser impulsionada por um vento mais brando que lhe empresta um ondulado movimento de elegante bailarina. Rodopia no ar como a agradecer a vida. E some na luz da manhã que, em seu sol escaldante, afugenta qualquer encanto.

E vendo a semente de rosa seda sumir na imensidão do céu, lembrei que, quando criança, acreditava serem aquelas pequenas criaturas da natureza minúsculos anjos a soprar acordes e desenhar halos celestes em nossos ouvidos e sonhos.

1 comentário
  1. Grande Jornalista e Professora.Vc é dotada de Sentimentos e inspirada nas Histórias do Passado e do Presente tb…Como é , que descreve uma História linda como essa…é Dom de Deus….Parabéns…Leio tudo que vc escreve..Saúde

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