Os invisíveis e o mito de fancaria

Primeiro cochichavam. Depois inundaram redes sociais. A grande mídia ampliou o que parecia uma singular conspiração contra a democracia, àquela altura já ameaçada pela tentativa de desmoralizar o sistema eleitoral, investindo-se contra as urnas eletrônicas. Houve até pirotecnia em frente ao Judiciário, símbolo garantidor do regime democrático. As eleições, porém, escancararam a divisão do Brasil em duas bandas. Uma, um pouco maior mercê do peso dos invisíveis.

Postaram-se então diante de quarteis.

Forças armadas salvem o Brasil do comunismo, gritavam. Rezas, cânticos, bandeiras do Brasil enroladas ao corpo. Nem o calor nem o frio nem o sol nem a chuva fizeram os patriotas arredarem o pé do solo quente ou encharcado. A verdade das urnas, mera invenção. Salvem nossas famílias! Mas quem deveria chamá-los à realidade, calou-se. Sumiu no caracol de sua má fé. Ou na notória ignorância histórica, amoldada ao vesgo ideológico da anacrônica doutrina de segurança nacional. O mito emudeceu, dando asas a teorias da conspiração.

Viram-se gado os patriotas.

Se ao menos tivessem lido Os militares na política, livro do americano Alfred Stepan, saberiam que golpe de estado só ocorre, entre outros fatores, quando a maioria inquestionável da população respalda as forças armadas. De que modo? Manifestando o apoio em amplas mobilizações populares, ajudadas pelos meios de comunicação de massa. No entanto, o governo do mito nada construiu. Ao contrário, fabricaram slogans e manipularam o fanatismo religioso de algumas correntes evangélicas. Embora os militares do Brasil, carentes da formação profissional que no passado tiveram, sob influência da cultura democrática europeia, mesmo assim, eu sempre acreditei na sua resistência à aventura golpista. E mais, o cenário internacional era, notoriamente, desfavorável.

Lula foi eleito presidente.

Tomou posse no Congresso Nacional. Subiu a rampa com os invisíveis. Deles recebeu a faixa presidencial. Choramos ante o inusitado! Construiu o Ministério com quem o elegeu: os pobres e os democratas de todos os matizes. Por isso, vão conviver no Ministério: nove ex-governadores, cientistas, representantes dos sem-terra e dos sem-teto, artistas, LGBTQIA+, índios, ambientalistas, empresários do agronegócio e políticos experientes. Até clientelistas do Brasil plural, coberto de diversidade. Enfim, o Brasil real. Todos os brasis. O mundo inteiro nos viu subir a rampa.

Só não viu o mito de fancaria.

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