Impressões de viagem

Pelas estradas infindáveis dos sertões redemoinhos tangem aromas de babugem e de frágeis riachos que se exibem com as primeiras enxurradas, exorcizando a melancolia e a tonalidade monocromática da aridez da seca. Numa linha exaustivamente reta e cansativa do negro asfalto que engole o horizonte ao longe os olhos deixam escapar uma vegetação raquítica e acanhada que teima em brotar e vestir-se de verde como a esconder uma timidez cinzenta que meses intermináveis de sequidão teceu como uma esquisita manta ou carapuça de proteção para os riscos iminentes da morte anunciada pela ausência ou mesquinhez de água.

De repente, uma curva da estrada anuncia que entre pedregulhos e pequenos morros corre um fiapo de rio que testemunhou os sonhos e desencantos de um punhado de sertanejos que, outrora, ousou o atrevimento de uma terra sem peias e mordaças, sem fome e sem desníveis, sem medos e sem assombros. Na placa de sinalização está indicado que ali serpenteia o Vazabarris. Das moitas e descampados vageiam imagens irreais de Conselheiro e tantos canudenses com corpos esqueléticos, rostos disformes, barbas desalinhadas, roupas esgarçadas e sonhos completos. Ainda ressoam e ricocheteiam por entre pedras e muralhas de taipa os tiros e barulhos de fuzis e baionetas que afugentaram as possibilidades de uma nova realidade do sertão.

Em muitos trechos da estrada grupos de bodes saltitam agitando pequenos chocalhos que soam pelo ar como a anunciar outras sinfonias sem ritmos ou harmonia compreensível. Nos mais ermos recônditos a monotonia da paisagem é quebrada por torres de telecomunicações e outros parafernálias eletrônicas que aproximam infinitos e distanciam proximidades. No fim da estrada torres, marinetes, sacadas e ladrilhos da velha São Salvador respiram suores e odores de correntes escravas e rendas e espartilhos de sinhazinhas que habitam janelas e salões e gemem ao som dos chicotes.

Na beira da praia espumas de ondas rebeldes revelam tartarugas salvas da extinção pela dedicação e empenho de quem ainda acredita na convivência entre homens e bichos, sem a intermediação do lucro e da ganância. Em tanques, viveiros e desenhos impressos em canecos, camisetas, chaveiros e uma infinidade de artefatos centenas de tartarugas festejam a vida enquanto olhos tristes lacrimejam outras sinas, inglórias, de macacos, sagüis, araras, papagaios, lobos guarás, jacarandás, imburanas, barrigudas, ianomâmis, guaranis e tantos seres humanos, animais e vegetais que, diariamente, sangram ao ritmo de machados, serras elétricas, arpões e bateias de garimpeiros, cercas de bois e fileiras de soja e capim, e tiros de armas de fogos que atraem a inocência e extraem a vida.

Apenas impressões de viagem enquanto o som do carro traz a melodia lembrando que “quem hoje é vivo, corre perigo, e o inimigos do verde, da sombra, o ar”.

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