Estrangeirices marianas

Não sei se sou alienígena, ou estrangeira, nestas terras de caminhos únicos e moldes exclusivos?

Mas é forasteira que me sinto em situações diversas do cotidiano quando me arremessam na contracorrente de modas e imposições, sobretudo, para o chamado “universo feminino” e seu tirânico modelo de beleza, juventude, estética perfeita. Um universo onde cabe apenas esbeltos corpos únicos, de idade indefinida, rostos lisos e inertes.

A imposição de padrões que este “universo feminino” determina vai produzindo ondas que, em momentos específicos, convertem-se em tsunamis a revolver toda resistência que se traduza em diferente forma de ver, pensar e ser.

Um desses tsunamis que a atualidade registra é a determinação de sobrancelhas desenhadas que, de repente, se espalha por rostos femininos de formatos múltiplos, idades variadas, cores diversas. E esta produção em série, bem ao estilo fordista, lança no mercado de nossas convivências as mais bizarras “mercadorias” que a menos refinada visão consegue delinear e definir como um pavoroso “circo dos horrores” que se apresenta neste picadeiro como falsa ideia de beleza e juventude.

Em momentos, não raros, me sinto imersa numa grotesca produção de figuras frankensteineanas disformes e despidas de quaisquer resquícios de singularidade e personalidade. São traços, rabiscos, pinceladas que borram rostos e imprimem imagens esquisitas de pessoas. São corpos inchados de silicone na tentativa de disfarçar rugas, “pneuzinhos”, celulites e marcas e registros de tempos, histórias, experiências. São tinturas e procedimentos que esticam, ressecam e empobrecem cabelos que necrosam cachos, pixaim, grisalhos, descaracterizando humanos que se metamorfoseiam em robóticas figuras de traços uniformes e gestos repetitivos, unisilábicos, ausentes de quaisquer sintomas de humano.

E nestes tempos de estrangeirices marianas me associo a Millôr Fernandes e finco pé dizendo que “Qualquer idiota consegue ser jovem. (…) É preciso muito talento pra envelhecer”. Talento como o de Brigitte Bardot que, não se deixando ofuscar pelos ilusórios holofotes da fana e do glamour, se permitiu envelhecer com a dignidade de humana pessoa nos dando a lição de que seremos sempre seres únicos na diversidade e distintos na igualdade.

E cantemos ao tempo no ritmo, na poesia e na verdade de Caetano Veloso (Oração ao Tempo), que também nos ensina a envelhecer e a viver fora das regras e padrões do único. “Peço-te o prazer legítimo. E o movimento preciso. Tempo, tempo, tempo, tempo. Quando o tempo for propício. Tempo, tempo, tempo, tempo”.

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