E se matarem o juiz Sérgio Moro?

Há quem deseje ver morto o juiz Sérgio Moro, a fim de prejudicar a investigação dos corruptos, da qual ele se fez arauto, sem bazofia e estrelismo midiático. Bobagem. Assassiná-lo é burrice. Na raiz desse sombrio desejo está um hábito inconsciente presente na história de muitos povos: concentrar num personagem a causa ou a solução de problemas vividos pela sociedade. Vez por outra aflora no Brasil, por exemplo, movimento de massa a procura de um chefe, de um rei, de um santo, seja lá quem for, para nos salvar. Assim foi com Antônio Conselheiro, em Canudos, e com o padre Cícero do Juazeiro. Transfere-se a um messias a missão de afastar angústias da alma, chagas do corpo ou da vida. Pensam que, morto Sérgio Moro, o combate frontal à corrupção feneceria. Dessa forma, delinquentes poderosos estariam livres da cadeia e continuariam a roubar como fazem desde sempre. Engano grosseiro.

Isso me faz lembrar conversa com uma juíza, lá se vão 15 anos. Eu espinafrava a venda de sentenças por magistrados venais. Safadeza que eu conhecia de perto. A juíza contestava, embora reconhecendo por ciência própria que colegas seus se enquadravam no perfil por mim traçado. Poucos, é bem verdade. Ela atribuía, corretamente, à pequena parcela corrompida do Judiciário a promiscuidade de juízes com empresários e chefes políticos e entendia que as ligações espúrias com a política local eram resquício do passado.

– Tio Frassales, procuradores e juízes concursados, em sua maioria, não se deixam corromper pelos velhos costumes.

Eu lia nas palavras da jovem magistrada mera projeção de sua ilibada conduta profissional. E temia que a herança da formação do Brasil, da Colônia à República, persistisse, sobrepondo-se ao idealismo das novas gerações. Vejo agora que minha sobrinha estava com a razão. A safra de juízes, nascida com a Constituição de 1988, nestes últimos 20 anos, como decorrência do fortalecimento do Judiciário, em paralelo à consolidação das instituições republicanas, enseja visão otimista na luta contra nossa corrupção endêmica. Não só juízes, obviamente, mas também procuradores, delegados e outros agentes públicos. Isso leva à certeza de que a eliminação física de Sérgio Moro, como alguns desejam, não interromperia o avanço das investigações das malfeitorias da elite que sempre reinou impune. Esse passar o Brasil a limpo, aliás, já começara antes até do mensalão. Ensaios anteriores permitiram acumular conhecimento de enorme utilidade à Força Tarefa que, do Paraná, comanda o desmanche de organizações criminosas, cuja ação deletéria abala os fundamentos da República e deturpa os princípios democráticos.

Não estou subestimando o papel do juiz Sérgio Moro. Mas não o coloco como super-homem. A força de sua ação vem menos dele e mais do ambiente institucional favorável que, entre outros fatores, tem permitido a especialização, sobretudo de agentes públicos do judiciário, do ministério público, da polícia federal. As recorrentes operações conjuntas, como Lava Jato e Andaime, são animador exemplo de mudança na forma de trabalhar dos órgãos públicos, cuja característica mais saliente é a articulação entre eles, muita embora haja disputas internas. Disputas e intrigas, aliás, que empreiteiras gigantes querem explorar para livrar da cadeia potentados como Marcelo Odebrecht, presidente da maior construtora do País.

P S – Corruptos roubam em segredo, mas processá-los em sigilo faz mal à democracia. Por que o juiz federal de Sousa não revela os nomes dos 39 denunciados até agora pelo Ministério Público Federal?

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