Antônio de Sousa Sobrinho

Hoje, quero lhes falar de um personagem, cuja história, posso dizer, teve início, aqui mesmo neste periódico, exatamente na 149ª Coluna, do dia 5 de maio passado. Ali eu lhes falava de José Leopoldo de Sousa, nosso conterrâneo, e lhes dizia da origem dos seus pais, um dos casais mais emblemáticos de nossa cidade, considerando o “ótimo conceito na rotina de organização laborativa” do pai, Seu Benedito, e da mãe, Dona Carminha, que buscou sempre orientar os filhos “nos caminhos dos sentimentos religiosos […], direcionando a prole nos caminhos da moral e dos bons costumes ditados pela Igreja Católica”.

Hoje lhes falo de Antônio de Sousa, cuja história de vida dá continuidade ao enobrecimento da família. Quem ouve Sobrinho falar de sua vida fica a se questionar se melhor não seria contá-la em um romance, cujo espaço seria propício a narrar tantas desventuras, aventuras e venturas, com ênfase maior neste último aspecto. É que a vida é mesmo assim; junto com as dificuldades, com os problemas, com os desencantos, depois de um certo tempo e de muita luta, ela nos traz os encantos que vão coroar a nossa existência.

Ainda garoto, Antônio de Sousa, por religiosidade e vocação foi direcionado ao Seminário pelas mãos do Mons. Abdon Pereira, que ocupava, na Diocese, o cargo de administração, uma espécie de Vigário-Geral, enquanto se aguardava a posse no bispado de Dom Zacarias Rolim de Moura. (Coincidência: dois anos após a desistência de Leopoldo dos estudos no Seminário, o irmão iniciava sua caminhada naquela trilha.).

Antes havia cursado o antigo Primário, no Grupo Escolar Monsenhor Milanês, onde se afirmou como um dos seus mais responsáveis alunos. Do período escolar, ele nos fala de antigos colegas de infância, com quem dividia as tarefas escolares com as atividades esportivas, exímio jogador de futebol que o foi.

Assim é que, juntos, estudávamos com os amigos Aécio Diniz, Esmeraldo Gomes Vieira, Paulo Andriola, Bosco “Trombetol”, Elzenita Braga e tantos outros, como este que lhes escreve. Foi um período do qual ele guarda imensas saudades.  Concluído o curso Primário, foi encaminhado para o Seminário Diocesano do Crato. Ali, sob a orientação do Reitor, Mons. Pedro Rocha, exatamente devido às boas notas que trazia do Primário e mediante o seu desenvolvimento estudantil, foi liberado de prestar o Exame de Admissão – verdadeiro vestibular da época – a fim de ingressar no então Curso Ginasial, pulando assim uma etapa na vida escolar.

Ali permaneceu durante os anos de 1953/1954 (1º e 2º anos do Ginásio), quando foi transferido, já por Dom Zacarias, para o Seminário Arquidiocesano da Paraíba, onde cursou do 3º ao 6º ano do curso de Humanidades (período de 1955 a 1958), equivalente aos quatros anos de Ginásio e mais os três do então Curso Científico, ganhando, portanto, mais um ano de vida escolar.

Fato curioso é que, quando de uma visita ao Seminário do Crato, Dom Zacarias foi comunicado pelo reitor sobre o alto grau de aproveitamento escolar do seminarista, cujas notas apresentavam um grau de distinção (nota dez) em todas as matérias.

O novo bispo da Diocese, Dom Zacarias, fez, então, uma anotação/registro premonitório no Livro de Notas: “Um bom candidato para ir estudar em Roma”, que era o caminho natural dos candidatos ao sacerdócio que se sobressaíam no seu meio. Esta nota/observação serviu como estímulo e motivo de empolgação para que o jovem seminarista assumisse consigo mesmo uma maior responsabilidade e motivação: melhorar cada vez mais para atingir esse objetivo e satisfazer as expectativas dos que nele confiavam.

Após dois anos, estudando no Seminário do Crato, Dom Zacarias fez por bem trazer para a Capital paraibana os seminaristas de sua Diocese, dentre muitos outros, os colegas de turma de Sobrinho: Luís Antônio do Nascimento (hoje, Padre Buíca), Luís Andrade e Nélson.

Já no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, o nosso perfilado dá início a uma nova vida estudantil em busca dos seus ideais sacerdotais, na perseguição do seu objetivo maior: ir estudar em Roma. Concluído o Curso de Humanidades, em 1958, lá se vai para Roma a turma colega de classe de <strong>Sobrinho</strong>, pelas mãos do Reitor, depois bispo de Campina Grande, Dom Luís Gonzaga Fernandes, ilustre filho de Uiraúna.

Dessa turma de brilhantes alunos, além de Sobrinho (*), faziam parte José Jackson de Carvalho (*), Luís Andrade, Arlindo Porto, Berilo Borba, Oswaldo (*) e Inocêncio (*) (Assinalados os que chegaram a ordenar-se sacerdotes).

Diz ele que “somente Deus sabe os sacrifícios que enfrentou”, quando de sua ida para a Itália. Faltava-lhe o principal. Filho de modesta família cajazeirense, esta não tinha como “bancar” as despesas de ida e do futuro internato. Foi quando conseguiu junto a Severino Cordeiro, patrão do seu pai na firma Galdino Pires, o compromisso de custeio das mensalidades de sua manutenção, durante os seis anos que passaria em Roma. As passagens para o translado, Sobrinho – diz ele hoje – “com a coragem e a cara”, bateu às portas do Governador do Estado, na época o saudoso Pedro Moreno Gondim, conduzindo uma correspondência de Dom Zacarias, para reforçar o seu pleito.

Na Cidade Eterna, Sobrinho cursou Filosofia e Teologia, dos anos 1959 a 1966. Ali, ele já encontrou os antigos colegas do Seminário na Paraíba: José Loureiro (um dos fundadores da Rádio Alto Piranhas), Afonso de Liguori, Gervásio Fernandes e, já abandonando a carreira sacerdotal, o nosso querido amigo cajazeirense José Paulo Pires Braga. Conta-nos, envaidecido, que, numa de suas férias escolares, no ano de 1960, conheceu e manteve contato com o então Cardeal Montini, futuro Papa Paulo VI.  Aliás, durante os mais de seis anos em que viveu na Itália, Sobrinho teve a oportunidade de conhecer, em época de férias, Alemanha, Bélgica, Espanha, Inglaterra, Áustria, entre outros países menos votados. Bafejado pela sorte, em um desses períodos, conheceu, na Baviera (Alemanha) o bispo de Banberg, Dom Yup Schineider que, dele se afeiçoando, passou a “bancar” as mensalidades no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, (mil dólares, na época) e ofertando-lhe uma “mesada”, (300 marcos alemães).

Ordenando-se sacerdote, em 26 de março de 1966, ainda demorou um semestre na Itália, regressando então ao Brasil, à Paraíba e a Cajazeiras. Já, aqui, começava a sua vida sacerdotal que foi marcada, logo de início, por um dos seus múltiplos questionamentos.

Quando do seu regresso a Cajazeiras, já sacerdote, Sobrinho sofre o que se poderia considerar uma de suas desventuras. Homenageado pela firma Galdino Pires, que repassava à Diocese, mensalmente, os custos de sua manutenção em Roma, estranhou nunca lhe haver sido passada essa informação.

Ele sabia, isso sim, que tais despesas eram custeadas pelo seu amigo, o tal bispo alemão. Mas, de qualquer forma, passou a acreditar que, certamente, a “verba” que lhe teria sido destinada por Severino Cordeiro teria tomado outro destino: a manutenção de novos seminaristas no Seminário Diocesano Nossa Senhora da Assunção. Esse “descompasso” informativo, ocorrido nos seus primeiros tempos de sacerdote, ficou marcado no âmago de sua mente.

Demonstrando a vocação para se tornar um simples “pároco de aldeia”, cuja missão o havia cativado através de leituras sobre essa forma de apostolado, deu conhecimento de suas pretensões à autoridade diocesana que, então, o designou pároco substituto da Paróquia de Uiraúna, onde auxiliaria o conhecido Monsenhor Anacleto. Ali permaneceu por pouco tempo.

Em seguida, passou seis meses em Pombal, trabalhando com o Padre Gualberto, inclusive no Colégio Diocesano, uma vez que para lecionar também não lhe faltavam vocação e competência. Passou pouco tempo ali, pois, com o desdobramento da Paróquia de Conceição, foi nomeado primeiro vigário da recém-criada Paróquia de Ibiara que, até aquele momento, era assistida por um outro cajazeirense, o seu primo sacerdote, José de Sousa Neto. Para não se desvincular de sua missão de educador, ali fundou o Ginásio Padre Manuel Otaviano. Foram três anos de trabalho duro, lutando contra o status quo de um lugarejo interiorano…

Mas essa era a sua vocação: “pároco de aldeia”. Essa vocação o fez ali permanecer por sofridos três anos. O que mais lhe faltava era com quem conversar, com quem se “abrir” sobre os seus mais íntimos problemas. Dedicou-se a servir à comunidade tanto nos seus anseios religiosos como nos educacionais.

Na busca de alguém com que pudesse dialogar sobre os seus propósitos, foi ficando, foi educando, até que lhe vieram amizades mais sérias. De repente, sentiu-se atraído por uma das paroquianas que, entendendo a sua solidão, investiu em cultivar um amor platônico.

Inseguro quanto ao seu próprio destino, recorreu a Dom Zacarias, que o intimou a voltar a Cajazeiras com a finalidade de criar e organizar a FAFIC – Faculdade de Filosofia de Cajazeiras – órgão a ser instituído pela Diocese. Dada a sua experiência, bem como aos seus títulos acadêmicos, adquiridos no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, era a pessoa indicada para a missão. Mas, declinou do convite, prontificando-se a auxiliar, no que fosse possível, o Cônego Gualberto, o que realmente o fez: buscou, na Capital, os contatos iniciais com o Reitor Guilhardo Martins, para cuja missão contou com a decisiva participação do seu Chefe de Gabinete, Prof. Tarcísio Burity, seu antigo colega de Seminário e futuro Governador do Estado. Criada e instalada a FAFIC, e não aceitando o cargo de Diretor, Sobrinho foi, então, nomeado vigário de São José de Piranhas.

Vida nova! Novos desafios! Como, há mais de um ano, a Paróquia não dispunha de um vigário residente, os problemas iniciais foram imensuráveis. Somente sua obstinação fez com que novos desafios fossem, paulatinamente, sendo vencidos. A reorganização da Paróquia foi fazendo Sobrinho tornar-se mais próximo da comunidade. Ali teve uma vida participativa, estimulando, por exemplo, junto à juventude citadina, a prática de vários esportes, chegando, inclusive, a fazer parte da seleção de futebol local, da qual se tornou o técnico e o seu maior craque, conforme testemunhos da época. Fala-se, a “boca miúda” que, por essa época, ele chegou a compor algumas listas.

Sobrinho passou pouco mais de quatro anos em São José de Piranhas, vendo sempre crescer a sua aceitação junto à comunidade local, sem distinção religiosa, política e, sobretudo, social. Dentre muitas outras obras de alcance sociocultural, fundou, em 1970, a Escola Normal São José, com a implantação do Curso Pedagógico, objetivando uma melhor qualificação dos professores da região. (A escola foi estadualizada em 1986, durante o governo de Wilson Braga).

Dada à sua aceitação pela sociedade local, ele era sempre convidado a visitar as várias famílias da Paróquia que dirigia, o que fez com que ele se tornasse mais próximo da vida cotidiana de algumas dessas famílias. Foi por esse tempo que ganhou ares de maior proximidade o seu relacionamento com a família de sua hoje esposa Fátima.

Curioso é que as más línguas comentavam que haveria uma aproximação maior entre Sobrinho e uma irmã de Fátima (Rizomar), fato compreensível, uma vez que esta era Secretária do Colégio que Sobrinho dirigia, estando, evidentemente, em contato diuturno com ele. O fato é que nada havia entre os dois, mesmo porque, na “hora H“, a escolhida foi Fátima, com quem ele iniciou a sua vida dita secular.

Anteriormente, Sobrinho, estimulado pelos ex-colegas de Roma, Loureiro, Luís Andrade, Jackson e Zélio, havia prestado concurso junto a UFPB, para a cadeira de Sociologia, doutor que era na matéria. Aprovado, pleiteou o desligamento da Diocese junto a Dom Zacarias que, de pronto, recusou o pleito.

Diga-se de passagem, prestar o tal concurso surgiu em face da necessidade que ele tinha de ajudar financeiramente à sua família, que havia perdido o esteio econômico-financeiro da mesma: a irmã Francisca (Tica, para os de casa) que havia sido vítima de um trágico acidente, estória já bem conhecida de todos os cajazeirenses.

A negação do Bispo, de certa forma, fez com que os acontecimentos pessoais precipitassem um desfecho iminente. Negada a licença, ele foi ameaçado de ser “suspenso de ordens”. Era o fim. O resto foi a debandada, juntamente com Fátima, em busca de outros destinos. Como não havia ainda saído a sua nomeação para assumir o cargo de docente da UFPB, Sobrinho amanheceu em Cajazeiras e anoiteceu em Salvador, na Bahia, em busca de novos horizontes.

Enquanto aguardava uma solução, na terra do Senhor do Bonfim, casou civilmente e rumou em busca de Brasília. Fortes amizades na Capital Federal fizeram com que fosse efetuada a sua nomeação, como professor da UFPB. Já na Capital Paraibana, foi acolhido por Dom José Maria Pires que, depois de advogar junto ao Vaticano este pleito, oficiou o casamente religioso.

Não há como omitir um segundo entrevero que houvera com a Diocese, envolvendo uma questão imobiliária: o casarão da esquina da Rua Coronel Peba com a Rua Padre Rolim pertencente ao seu avô materno, por questões ainda hoje não bem explicadas foi “incorporada” ao patrimônio da Diocese, o que causou, na época, enorme mal entendido entre a sua família e a cúpula diocesana.

Depois dessas desventuras e aventuras, é que veio a ventura. Sobrinho assumiu sua cadeira no CCHLA, chegou a Chefe de Departamento do Centro de Ciências Sociais e, posteriormente, foi conduzido à direção do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA.

Daí a assumir uma pró-reitoria foi um pulo. Foi, aos poucos, conquistando e consolidando o seu espaço junto à comunidade universitária – professores, funcionários e alunos – e, disputando uma eleição direta, saiu vencedor e assumiu o cargo do Reitor da Universidade Federal da Paraíba, certamente imbuído da convicção de que José Américo de Almeida estava certo, quando afirmou: “Eu vos dei as raízes. Outros vos darão asas e o selo da perpetuidade”.

Hoje, Sobrinho, pai do trio da/de/di (Darlene, Débora e Diana), aposentado da UFPB, desempenha função de diretoria na UNAVIDA/Universidade Aberta Vida, vinculada ao IESP.

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