Zecão

VALIOMAR ROLIM

Foi preciso o encontro com um aposentado do Banco do Brasil que, no começo da carreira, serviu em Cajazeiras, para trazer à tona a velha prosopopéia de um sertanejo que consagrou o apelido Zecão. Merceeiro da Rua da Tamarina, vivia com um dicionário à mão tal um protestante militante com sua bíblia. Não seria exagero dizer que, para ele, o dicionário era uma bíblia também, posto que, para qualquer declaração mais importante, era nele que guiava.

O bancário, não um cajazeirense, talvez mais ainda, um cajazeirado, lembra ótimas passagens do, podemos assim dizer, grande vate. É uma jóia da última flor do lácio a resposta a uma freguesa após ser informada da falta queijo em sua bodega: “jamais saberei explicar a razão que motivou a falta desse gênero alimentício de derivação láctea em meu estabelecimento”.

Foi antológica a discussão politiqueira na campanha eleitoral de 63. Era programa obrigatório dos gaiatos de plantão a provocação do birosqueiro pelo seu fanatismo por Chico Rolim, e o pior, as provocações eram feitas na pura gíria, linguagem que era a maior das suas ojerizas. Instado a tirar o cavalinho da chuva por ser certa a derrota do seu candidato, respondia que nunca iria “afastar o filhote de eqüino da precipitação pluviométrica”, pois a vitória era certa, cristalina. Era só o que queriam. Diziam que ele estaria puxando o saco do candidato,  “elastecer o volume da bolsa escrotal? de ninguém”, respondeu colérico.

Foi a gota d’água que faltava. Exaltado, declarou-se cansado da “falácia flácida para acalentar bovinos” (conversa mole prá boi dormir), disse que iria “derrubar, com a extremidade do membro inferior, o sustentáculo de uma unidade de acampamento” (chutar o pau da barraca) para fazer cada um daqueles vândalos “colocar o prolongamento caudal entre os membros inferiores” (meter o rabo entre as pernas) e mostrar que ele “nem forçado por um grande pedaço de material lenhoso” (nem a pau) “iria introduzir sua musculatura glossa na cavidade de pinho de um instrumento de cordas” (meter a língua na viola) e que  “iria impulsionar, com sua extremidade podálica, a região glútea”(daria um chute na bunda) de todos eles.

O tempo deu razão a Zecão. Aquela foi uma eleição que teria de ser ganha e não seria considerada a possibilidade do contrário. Nem se a fêmea da espécie bovina expirasse fortes contrações laringo-bucais (nem que a vaca tossisse)!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Sem maquiagem

Voa bem leve, pensamento, e embarca nessa ciranda sem asa, apenas segurada pelo respiradouro da neblina. E se…
Total
0
Share