O Escondidinho

VALIOMAR ROLIM

Quem era adolescente, aborrescente, jovem, há pouco ou há mais tempo, conhecia o Escondidinho. O bar ficava na Visconde de Pelotas, bem defronte do Ponto de Cem Réis, entre a loja As Nações Unidas e o Cine Plaza. Era só uma porta que dava entrada para um salão.

À época, João Pessoa era uma capital por assim dizer. Não tinha grandes opções. Afora a praia tinha o clube Astréa, o Cabo Branco, o Clube dos Sargentos, o Internacional de Cruz das Armas e os bares famosos como o Elite Bar, o Luzeirinho, e o Bar de Nega, para citar só esses.

O Escondidinho, era um dos poucos que dispunham da novidade gastronômica da época: o galeto assado. O aparecimento da galinha de granja, mais macia, com mais carne no peito e coxas era uma sensação. Foi uma novidade tão grande que depois floresceram casas especializadas como os famosos galetos da Torre.

Rafael Holanda, Neto e Marcelo Xavier, Márcio Gambarra, Jackson Bandeira, Luluzinha, Hora Certa, Galego Capita, Roolsevelt Leitão, todos estudantes, para comemorar a chegada de Ferreirinha, numa temporada na Capital, não teriam outro lugar senão o Escondidinho.

Para eles, moradores da pensão do velho Gambarra, na Rua Rodrigues de Aquino, perto da antiga Rádio Tabajara, a casa era o único bar que poderiam alcançar sem pagar taxi ou ônibus.

Mas, como fazer uma farra se ninguém tinha dinheiro? Teriam de preparar algo para resolver o problema que parecia insolúvel: pagar a conta.. Rafael teve a idéia. Colocou um pequeno saco plástico com mercúrio cromo no bolso numa camisa para Neto, conseguiu um revólver de espoleta para ele e foram à luta.

A mesa tinha tanta gente que parecia um banquete. Começo de farra comportado, pareciam uns lordes. Depois, o álcool foi chegando, as emoções aflorando, as paixões se exaltando, os diabos se soltando, até que tudo acendeu.

A discussão começou e a encenação preparada ficou muito real. Rafael e Neto começaram a disputar uma jovem de Cajazeiras, cidade natal de todos. A polêmica foi aumentando, as revelações se clareando, as revelações se clareando, até que a violência chegou.

Foram ao corpo a corpo. Neto Xavier, mais forte que Rafael, vencia a disputa. Aí a conveniência falou mais alto. A luta era o passaporte para a conta. Os companheiros lembraram aos contendores do planejado e fez-se a armação. Rafael sacou do revólver e disparou duas vezes. Neto comprimiu o peito, estourou o saco de mercúrio e caiu com a mancha vermelha no peito.

Instalou-se o caos. O bar ficou vazio e devastado. Os garçons foram à calçada ver a turma fugir da cena crime. Na farra nem notaram que o defunto fugiu pelas costas deles.

DO LIVRO ‘O CRONISTA DO BOATO’, DE VALIOMAR ROLIM

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