Barata de hospital

VALIOMAR ROLIM

Zefinha, a mulher de Zeca Competino, estava pelas horas de parir. O sítio Serra da Arara estava em alerta, a qualquer momento ganharia mais um habitante, e a expectativa era algo para animar os corações, alegrar as mentes e exultar as almas daquelas criaturas de novidades e perspectivas curtas. Era a vida que se renovava.

Desde as primeiras horas do dia, Zefinha estava com desconforto e sentia dores que aumentavam de intensidade. A parteira local, Dona Febrina, bem que a acompanhou mas, quando viu seus conhecimentos e recursos exauridos, encaminhou a paciente ao hospital de Cajazeiras, onde, segundo sua experiência, deveria ser operada.

A notícia espalhou-se rápida, foi solicitada a camioneta de Chico de Jorge para o translado e uma pequena multidão ajuntou-se no terreiro. A parturiente e Dona Febrina viajariam na boléia, decidiu-se, o marido e os inevitáveis acompanhantes, alguns aproveitando a ida para uma consulta médica, iriam na carroçaria.

A viagem resultou num acidente. No velho hospital regional, a comitiva exigiu esforços redobrados. O dia já amanhecia quando, findo o atendimento, fez-se o inventário, Zefinha submeteu-se a uma cesariana, seu marido, Zeca Competino, veio a falecer e vários ficaram feridos, com maior ou menor gravidade e encontravam-se estáveis.

Vendo o grupo cheio de curativos, hematomas e gesso, mais parecidos com egressos de uma inglória batalha, o médico plantonista bloqueou uma enfermaria para Zefinha e proibiu terminantemente visitas. “Uma vez que é impossível que ela participe dos funerais do marido e já que saber de sua morte pode prejudicar seu restabelecimento, que ela nada saiba a respeito do óbito”, determinou. 

Maria Fogueira, desocupada, desobrigada , largada pelo marido e pela vida, buscava no hospital uma força que arrazoasse sua existência, uma janela que lhe clareasse o mundo, um degrau que a fizesse subir até o objetivo maior: ser uma pessoa normal, útil, querida.

Terminadas as obrigações caseiras lá estava Maria no hospital. Ajudava à enfermagem, banhava alguns pacientes, conversava com outros e, através do hospital, sabia das tristezas, brigas, tragédias e até alegrias da cidade. Fazia parte da mobília da casa.

A proibição de visitas funcionou para Maria como um desafio. Ficou à porta da enfermaria esperando uma oportunidade, por pequena que fosse, para levar sua solidariedade a Zefinha. Tanto pediu, suplicou e implorou que deixaram-na entrar, com a condição de guardar dois dos maiores segredos: a  morte do marido da paciente e a permissão de sua entrada. Nem bem entrou no aposento já perguntou se a paciente era a viuva de Zeca Competino, diante da resposta negativa, disparou:

– Vamos apostar?

VALIOMAR ROLIM,MÉDICO E EMPRESÁRIO

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