Os “autênticos” do MDB

Na década de setenta, mais precisamente a partir de 1974, um grupo de parlamentares da oposição começou a fazer pressão junto ao deputado Ulysses Guimarães, presidente do MDB, para endurecer o discurso contra a ditadura. Ficou conhecido como o “MDB autêntico”. Entre os vinte e três deputados que corajosamente se posicionaram de forma mais radical contra o governo militar, estava o paraibano Marcondes Gadelha.

Segundo nosso conterrâneo, “o grupo tinha a clara determinação de fazer a abertura, o fim dos atos institucionais, especialmente o AI 5, a anistia, o retorno dos direitos civis, o fim da censura, eleições diretas em todos os níveis, repatriamento dos exilados e devolução dos direitos aos cassados. Portanto, pregava a volta da democracia ao país. Nomes destacados da política nacional compunham essa turma de destemidos integrantes da Câmara Federal que se insurgia contra as arbitrariedades cometidas pelo governo, entre os quais lembramo-nos de Alencar Furtado (PR), Fernando Lyra (PE), Chico Pinto (BA), Freitas Nobre (SP), Marcos Freire (PE), Lysâneas Maciel (GB), Paes de Andrade (CE).

O movimento ganhou força na eleição do presidente Geisel. Eles entenderam que o MDB deveria lançar uma anticandidatura e escolheram Ulysses Guimarães para desempenhar esse papel. O objetivo era aproveitar a disputa eleitoral, ainda que indireta, para armar um palanque onde os discursos de contestação ao regime pudessem ser feitos por todo o Brasil. Para tanto, percorreram o país, ao lado do candidato. Teria ficado acertado que no momento da votação, doutor Ulysses retiraria sua postulação e faria um pronunciamento em protesto ao processo de eleição indireta que estava sendo realizado. Isso não aconteceu. O candidato do MDB manteve-se firme na disputa, contrariando a ideia dos “autênticos”, que reagiram se abstendo de votar no colégio eleitoral.

Na hora da proclamação dos votos, lançaram um manifesto à Nação dizendo: “devolvemos nossos votos ao grande ausente, o povo brasileiro, cuja vontade, afastada do processo, deveria ser fonte de todo o poder”. Esse episódio provocou um racha no partido de oposição. Distinguiam-se na bancada do MDB no Congresso, os “moderados” e “os autênticos”. A direção do partido, por exemplo, não admitia a inclusão de qualquer dos “autênticos” na sua Comissão Executiva.

As atitudes de ousadia continuaram e se tornaram mais fortes nos anos seguintes, quando o país se viu envolvido numa grande crise econômica. Findava-se naquele período o chamado “milagre econômico brasileiro”. Os “autênticos” apostavam na insatisfação cada vez mais crescente da população. Se antes os motivos de descontentamento do povo eram exclusivamente por causas políticas, violação dos direitos humanos e cerceamento de nossa liberdade, acumularam-se razões produzidas pelo agravamento da crise econômica, atingindo diretamente o poder de compra dos brasileiros.

À distância eu procurava acompanhar os desdobramentos dessa divisão no partido oposicionista, mas torcendo para que os “autênticos” se fortalecessem na sua luta em defesa do retorno à democracia em nosso país. Ali nasceu minha admiração pelo jovem parlamentar Marcondes Gadelha, com quem tive a honra de conviver mais de perto por ocasião da sua candidatura ao governo do Estado, anos mais tarde.

O importante é que a reação popular que culminou com o fim da ditadura, deve-se ao estímulo e a intrepidez com que os “autênticos do MDB” desfraldaram as bandeiras de luta que ganharam as ruas num grito de rebeldia e bravura de um povo cansado de ver a democracia sendo desrespeitada, banida do nosso exercício de cidadania.

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