Condenação internacional do Brasil pelo Caso Márcia Barbosa é marco na luta contra a impunidade de feminicídios

A condenação do estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo caso Márcia Barbosa, paraibana morta em 1998, é um “marco na luta contra a impunidade de feminicídios”, segundo defende o representante da família junto à Corte, Rodrigo Deodato. O acusado do crime foi o então deputado estadual Aércio Pereira de Lima, que só foi condenado em 2007, nove anos depois.

A Corte entendeu que a imunidade parlamentar vigente no país provocou um grave atraso no processo, que resultou na violação dos direitos e das garantias judiciais e dos princípios de igualdade e de não discriminação em prejuízo do pai e da mãe da vítima. Além disso, verificou que existiu intenção de desvalorizar a vítima utilizando sua vida pessoal e sexualidade como justificativas.

De acordo com Deodato, a família da vítima “recebeu a notícia com sentimento de justiça” e, agora, espera o efetivo cumprimento da sentença que é resultado da apresentação feita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em outubro de 2019.

Em 3 de fevereiro de 2021, houve uma audiência pública virtual da Corte sobre o caso. A Advocacia Geral da União (AGU) informou ao g1 que ainda não foi notificada sobre a sentença.

O que a Corte analisou

As investigações do crime apontaram Aércio Pereira de Lima como principal suspeito do assassinato. O processo contra ele, no entanto, só pode ser iniciado em março de 2003, quase cinco anos após a morte de Márcia Barbosa, quando não foi reeleito parlamentar.

Enquanto durou o mandato de deputado, para que o processo fosse iniciado, era preciso que a Assembleia Legislativa levantasse a imunidade parlamentar, o que não foi feito. Ele só foi condenado pelo crime em 2007 e morreu menos de um ano depois da condenação.

A Corte verificou também que nos procedimentos de investigação e julgamento existiu uma intenção de desvalorizar a vítima, dando demasiada ênfase à sexualidade de Márcia Barbosa, provocando a construção de uma imagem da vítima como culpada ou merecedora do ocorrido, desviando o foco das investigações, por meio de estereótipos.

Determinações da sentença

Dentre as determinações da sentença, está uma indenização à família de Márcia Barbosa pelo dano material e imaterial. A sentença estabelece parâmetros para que a aplicação da imunidade parlamentar formal seja feita de acordo com a Convenção Americana, como seguir um procedimento célere, com previsão legal e regras claras, cumprir as garantias do devido processo e incluir um teste de proporcionalidade estrito que leve em consideração a gravidade da acusação. Desse modo, o resultado representou uma oportunidade para a Corte criar jurisprudência para toda a região com relação à imunidade parlamentar e seus aspectos procedimentais.

Como forma de reparação pelas violações cometidas, a Corte determinou, para além de medidas individuais voltadas aos familiares de Márcia, medidas de não repetição, que têm como objetivo evitar que fatos semelhantes ocorram no futuro. Destacam-se a determinação de que o Brasil elabore um sistema nacional de recopilação de dados sobre a violência contra a mulher, com informações detalhadas sobre o perfil das vítimas, e a implementação de um plano de capacitação, com perspectiva de gênero e raça, para funcionários que atuam em investigações; e, ainda, que crie um protocolo nacional com diretrizes para a investigação de crimes de feminicídio.

A sentença também estipula que seja publicado um resumo oficial da Sentença elaborado pela Corte, por uma única vez, no Diário Oficial, bem como nas páginas web da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba e do Poder Judiciário da Paraíba e em outro jornal de ampla circulação nacional, com um tamanho de letra legível e adequado.

A Corte também determinou que o Estado deve promover um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional. Além disso, estipula que sentença deve ser integralmente disponibilizada por um período de pelo menos um ano em um site oficial do Estado da Paraíba e do Governo Federal, de forma acessível ao público e acessível a partir da página de início do referido sítio eletrônico.

Helena Rocha, diretora do programa para o Brasil e Cone Sul do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cegil), organização que levou o caso ao Sistema Interamericano juntamente com o Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), expressou: “A sentença é histórica ao reconhecer o caráter estrutural e sistemático da violência de gênero no Brasil e as suas interseccionalidades, o que demanda um dever agravado do Estado de garantir o acesso à justiça eficaz e sem discriminações, ou seja, com perspectiva de gênero e afastando estereótipos negativos. Finalmente, é um alento à família de Márcia que lutou durante anos para obter justiça em relação à sua morte e à sua memória.”

Paralelamente, Rodrigo Deodato do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (GAJOP) declarou: “O caso Márcia Barbosa representa para o âmbito internacional e local, em todos os níveis, a luta pelo fim da violação, ainda tão presente, dos Direitos das Mulheres, sobretudo negras e sertanejas como Márcia. Que a sentença emitida pela Honorável Corte IDH seja um marco na sua jurisprudência dedicada ao Brasil e represente para a família de Márcia Barbosa a tão almejada justiça.”

Relembre o caso

Márcia Barbosa tinha 20 anos e terminado o ensino médio há pouco tempo quando saiu de Cajazeiras, no Sertão da Paraíba, para João Pessoa. A jovem, que vivia com os pais e a irmã mais nova de 17 anos, na época, estava na capital em busca de emprego, com o objetivo de ajudar a família.

No dia 17 de junho de 1998, Márcia teve um encontro amoroso com o então deputado Aécio Pereira Lima e nunca mais voltou para casa. Conforme relatório final da da Delegacia de Delitos contra Pessoa, citado na sentença, às 21h, a vítima fez uma ligação a partir do telefone celular utilizado pelo homem para um número de telefone residencial na cidade de Cajazeiras. Na ligação, ela contou para conhecidos que estava naquele momento na companhia do mesmo.

Na manhã do dia 18 de junho, uma pessoa observou que alguém estava retirando o corpo de uma pessoa, posteriormente identificada como Márcia Barbosa de Souza, de um veículo em um terreno baldio no bairro Altiplano, em João Pessoa. A causa da morte foi asfixia.

COM INFORMAÇÕES DO G1

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