Canal 100

O Canal 100, que mostrava as notícias da semana sobre futebol, e da ditadura militar brasileira também, nos cinemas na década de sessenta/setenta/oitenta, no reclame – era essa a palavra para designar as pré exibições do filme -, está com seu acervo em vias de apodrecer na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. É um acervo prodigioso de 10 mil latas de películas sobre aquele período da vida brasileira.

A genialidade do futebol brasileiro de então, nos pés de Zico, Roberto Dinamite, Pelé, Garrincha, Fio Maravilha, Dario, Rivelino e mais um elenco expressivo no tempo em que futebol era milionário na arte de jogar bola mais pela estética do que pelo rentismo atual, registrado no acervo do Canal 100, criado por Carlinhos Niemeyer, está para ser corroído. Mais do que a memória do país é a memória dos que viveram aquele tempo, como ficou na memória de minha geração nas cadeiras do Cine Éden em Cajazeiras.

Já escrevi sobre esse tema há muitos anos, mas volto a falar agora para registrar o perigo desse material acabar, e pelo visto vai acabar mesmo, tendo em vista o tamanho do apreço que o governo Bolsonaro tem por cultura.

O Canal 100, de imagens preto e branco, com narração do vozeirão de Cid Moreira e a sonoplastia de Na Cadência do Samba, ficou inoculado em nossas memórias. Eram cenas do futebol que nos colocavam, guris, adolescentes, na beira do gramado do Maracanã. Os ângulos em close das filmagens com os jogadores saindo do túnel para entrar no gramado do Maracanã, eram espetaculares. Era como se nós, peladeiros do campinho do Grupo Dom Moisés Coelho, do Uvilim, das Capoeiras, estivéssemos, imaginariamente, saindo também dos túneis desses campos de várzeas. Era a glória.

Quando surgia no telão do Cine Éden o efeito de bolinhas coloridas e a trilha musical anunciando os principais lances de clássicos, a sala de cinema mais parecia as arquibancadas do estádio de futebol de Cajazeiras, o Higino Pires Ferreira, do que uma sala de cinema, mas sem bagaço de laranja atirado do alto das arquibancadas para os de baixo, claro, mas com pesqueiro nos que estavam nas cadeiras em frente. Logo após passado esse clímax, ficávamos altamente concentrados nas pornochanchadas estreladas por Vera Fischer, tão esperadas quanto os lances de golaços de Zico, Dinamite e companhias. Íamos para casa satisfeitos como se tivéssemos visto no telão um clássico futebolístico e mais satisfeitos ainda pelas pornochanchadas. Tinha colegas que ficavam tão ofegantes com as cenas libertinas do filme que quando chegava em casa ia tomar banho para aliviar as tensões dos poros.

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