Água do São Francisco: do sonho ao carro-pipa

Muitos lugares do Nordeste estão sendo abastecidos por caminhões-pipa, velho espetáculo no semiárido. Faz raiva. Prometeram encher dezenas de açudes com água boa do rio São Francisco. Vamos refrescar a memória. O PAC – Programa de Aceleração do Crescimento nasceu em janeiro de 2007, no segundo mandato de Lula. O PAC 1 ainda estava no papel e já lhe haviam achado uma mãe: Dilma Rousseff. A mulher incansável encarregada por Lula de tocar as obras que fariam o Brasil acelerar seu desenvolvimento por meio de grandes investimentos rodoviários, ferroviários, portos, aeroportos, refinarias de petróleo, habitações, saneamento básico, linhas de metrô, vias urbanas expressas etc. etc. Tudo em boca cheia de bilhões. A boca e a mídia, tal como se faz agora com o PAC 3, ao qual se deu o nome de PIL – Programa de Investimentos em Logística.

Em suas três versões, o PAC nada mais é do que a reunião no papel de obras a serem realizadas sob sistemático acompanhamento. No começo, a tarefa de monitorar foi entregue a Dilma que, de posse de cronogramas dos investimentos detalhados no computador, checava dados de execução física e financeira, cobrava providências, ameaçava, dava esporros espalhafatosos nos relapsos. Dilma tem o perfil talhado para a missão, diziam na época. Por isso, o apelido de “mãe do PAC”, maliciosa artimanha de Lula para levá-la ao Planalto. E a levou efetivamente em 2010. Cumpriu à risca a missão partidária e eleitoral. Dilma subiu a rampa enquanto o PAC ficou sem mãe. Uma olhada nos relatórios oficiais de acompanhamento mostra planilhas infestadas de um bicho estranho. Qualquer semelhança com as obras complementares do aeroporto de Cajazeiras é pertinente!

Bilhões pra cá, bilhões pra lá… E as obras? Em ritmo de tartaruga. Dá uma parada hoje, outra, amanhã. É isso o que acontece com a transposição das águas do rio São Francisco. Se houvesse menos boca cheia de bilhões para arrecadar propinas e mais preocupação com o “fazer”, vastas áreas do semiárido certamente não estariam hoje a penar no ronco do carro-pipa. Vamos esclarecer logo um ponto: trazer água do São Francisco não é panaceia, mas resolveria boa parte de velhos problemas que este ano assumem feição de dramática calamidade pública, social, econômica e política. Diferente, é claro, de outros tempos. Antes se morria de sede e fome. Com o Bolsa Família disseminado neste mundão de Deus, o risco é morrer de sede.

O PAC traz no nome a essência de sua finalidade. Aceleração. Peca exatamente nesse erro fundamental. Se é para acelerar, por que demora tanto? Deixando outros grandes investimentos de lado, destaco a transposição das águas do São Francisco. Esse projeto deveria ter sido concluído em 2012. Tudo bem, atrasou. Ora, até uma puxada na casa da gente atrasa, quanto mais uma obra gigantesca. A demora, porém, ultrapassou todos os limites: um ano, 2013; dois anos, 2014; três anos, 2015; quatro anos, 2016. Esta semana, o ministro da Integração, Gilberto Occhi, anunciou aqui no Recife que “as obras só ficarão prontas em 2017”. Olha a tartaruga aí, gente!

O sonho de Lula-presidente era manter vivas famílias pobres, permitindo-lhes comer três vezes no dia. Sonho realizado no Nordeste. Mas nessa pisada, muitos continuaram a ter o que comer, difícil vai ser sobreviver com água de carro-pipa.

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Na crônica passada, cometi um erro duplo, de concordância nominal e de revisão. Eita. Ainda bem que existe…
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