A vida em sinal fechado

O sinal de trânsito abre e os veículos, acionados pela anônima pressa do moderno ritmo de vida, imprimem velocidade e invisibilizam a varredeira de rua que, empurrando seu carrinho coletor e empunhando vassouro e pá, sai à cata do que nós, inteligentes seres racionais, descartamos como lixo por janelas de automóveis ou em caminhadas por calçadas e passeios públicos.

O sol forte do meio dia empresta vida ao asfalto da rua que tremula como a refletir imagens e desenhos de gentes, bichos e máquinas, projetados em imaginárias telas rabiscadas como os traços e tintas de imaginários humanos que inventam lugares e vidas em modelos e ritmos padronizados e obedecidos em modos coletivos de seguir.

E a varredeira, em seu traje de farda, com logomarca da empresa prestadora de serviço, de cenho franzido como a espantar o calor e a incidência do forte sol que lhe tosta cabeça e discernimento, se esgueira entre automóveis na tentativa de alcançar a outra margem da avenida para dá sequência ao seu ofício de coletar papeis, plásticos, palitos, folhas e pequenos galhos lançados na rua pelo vento, por mãos e intenções nem sempre gentis.

Mas, nenhum motorista, na pressa determinada pelo verde do semáforo que impõe a pressa no acelerar de motores e vidas, enxerga a varredeira de rua em sua vã tentativa de seguir, com a disposição apenas da engrenagem humana, a cruzar ruas e avenidas recolhendo com vassouras e pás, o lixo que acrescemos como enfeiamento de nossos espaços públicos.

Ela não recebe nenhum olhar solidário que lhe amenize os efeitos do calor e do clima asfixiante de um meio dia em pleno verão sertanejo. Ninguém sequer ocupa quaisquer parcelas de inquietação sobre sua barriga que, com certeza, ronca como a sinalizar, em cores vermelhas vivas, os sintomas da fome que, acumulada em tantas carências forjadas na precariedade do parco salário que recebe, e se constitui na única alternativa de vida para todo o grupo familiar.

Seus olhos espreitam a movimentação do semáforo e dividem o raio de visão com o leito da rua e seus amontoados de lixo. Um motorista mais afoito e avexado gesticula, com o braço em rígidos e duros movidos pela janela do carro, lançando impropérios por ela está atrapalhando o fluxo normal da sua apressada vida.

E também passo pela varredeira de rua e enxergo na cena os versos de Paulinho da Viola, nos cantando o Sinal Fechado: “Me perdoe a pressa/ É a alma dos nossos negócios/ Pô, não tem de quê/ Eu também só ando a cem”.

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