A real ameaça do retrocesso democrático na Argentina

Para que se possa entender melhor o que pode acontecer na Argentina a partir do dia 10 dezembro, é importante conhecer a companheira de chapa de Javier Milei, eleito presidente no último domingo. A deputada Victoria Villaruel, 48 anos de idade, futura vice-presidente, é advogada, filha e neta de militares, conservadora, propagadora do falso moralismo da ultra direita. Preside desde 2006, quando foram abertos processos contra os militares acusados de crimes durante a ditadura naquele país, o Centro de Estudos Legais sobre o Terrorismo e suas Vítimas.

Uma de suas principais bandeiras é a defesa de revisão da atual política de memória e direitos humanos que indenizou milhares de vítimas da repressão provocada pelo Estado durante a última ditadura militar. Ela não se conforma com o fato de que a Argentina tenha levado os ditadores militares ao banco dos réus, além de ter julgado e punido torturadores e define a época da ditadura militar no país, que durou entre 1976 e 1983, como uma “guerra” contra o comunismo. Algo parecido com o que ainda ouvimos aqui em relação ao golpe de 64.

Em um discurso pronunciado poucos dias antes do segundo turno, afirmou: “Como você acha que poderá resolver isso [a situação do país] se não for com uma tirania?”. Não se constrange, portanto, em manifestar publicamente a sua simpatia por um regime ditatorial. Em 2013 visitou o ex-ditador Jorge Videla na cadeia, antes de sua morte. É explícito o seu “negacionismo histórico”, bem ao estilo do que se tentou fazer aqui no Brasil nos últimos quatro anos. Conseguiu convencer Milei a colocar como tema na campanha presidencial a memória da ditadura e a violência política da década de 1970. Em um dos últimos debates presidenciais, Milei questionou a quantidade de vítimas sequestradas pela repressão organizada pela ditadura militar. “Não foram 30 mil desaparecidos. Foram 8.753”, afirmou na ocasião. Os futuros dirigentes da Argentina se colocam contra as mais de mil condenações judiciais por crimes contra a Humanidade impostas a militares durante o período da ditadura.

Segundo informações de entidades de direitos humanos oficiais, dentre as vítimas estão professores, trabalhadores, estudantes, mulheres grávidas, bebês que nasceram no cativeiro e foram entregues a famílias de militares e pessoas confundidas com supostos guerrilheiros. Francisco Tenório Júnior, o Tenorinho, músico que integrou a banda de Toquinho e Vinicius, foi sequestrado, numa rua movimentada de Buenos Aires, seis dias antes do golpe.

Alguma dúvida de que a Argentina caminha para um retrocesso democrático e social de direito, enfraquecendo a tutela da dignidade humana? E que há um propósito de voltar no tempo, com a implementação de um “direito autoritário”? Tomara, para o bem do povo argentino, que eu esteja errado. Mas os sinais nos levam a prognósticos sombrios para a democracia daquela Nação.

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