A doença de Marco Maciel

Marco Maciel está com Alzheimer. Amigos e adversários foram surpreendidos com a célere evolução da doença. Depois da derrota de 2010 para o senado, com pouco mais de 70 anos, recolheu-se a Brasília. Estaria escrevendo as memórias? Ninguém confirmava nem desmentia. Os mais chegados a ele, porém, sabiam de seu progressivo alheamento aos fatos, logo ele que tinha o hábito de ler cinco a seis jornais diários. Era o começo do mal, que se insinuara depois da única derrota eleitoral sofrida nas urnas, após 43 anos de exercício contínuo de mandatos, desde que fora eleito deputado estadual em 1966, dois anos após instalar-se o regime nascido do golpe militar. Regime que, mais tarde, Maciel ajudou a consolidar, firmando-se como liderança nacional: deputado federal, governador indireto, senador, vice-presidente da República. Em 2010 ocorreu sua última disputa para o senado, quando foi esmagado pela aliança Eduardo Campos (PSB), Humberto Costa (PT) e Armando Monteiro (PTB).

Apesar de memória prodigiosa, nada deixou escrito.

Pior ainda, o seu mais fiel amigo desde criança, Francisco Bandeira de Melo, morreu no final de 2011, legando acervo enorme de documentos sobre a trajetória de Maciel. Ruim para a História, que perde a reconstituição de fatos importantes da ditadura, sob a ótica de um dos políticos conservadores mais respeitados da vida política brasileira.

Conheci Marco Antônio em congresso nacional de estudantes. Ele lá e eu cá, na época em que um resistente muro ideológico se interpunha entre nós, ele reconhecido facilmente pela sua figura física, alta e magra, muito parcimonioso ao assumir posições políticas. Em questões polêmicas, então, o circunlóquio escondia o que pensava.

Quando governador de Pernambuco, um assessor muito próximo, preocupado com algumas pendências em sua mesa de trabalho, atreveu-se a alertar o chefe para a necessidade de tomar decisão, falou, exibindo uma pasta vermelha. Maciel interrompeu o que estava fazendo, encarou o auxiliar, e com sua conhecida elegância verbal o corrigiu:

– A decisão já foi tomada, falta apenas dar publicidade.

A pasta de pendências voltou à gaveta.

Um clima de mistério cercou durante algum tempo a doença de Marco Maciel. Agora, o Jornal do Commercio, do Recife, (domingo, 26), publicou longa matéria assinada por Franco Benites, tornando públicos os efeitos do mal de Alzheimer. Ele está bem, mas é profundamente calado. Às vezes, chamo a atenção dele para algo na TV, mas ele não dá a menor resposta, disse a esposa, Ana Maria, casada há 50 anos. Ela ficou feliz quando lhe perguntou como ele estava e Maciel respondeu está tudo bem.

Marco Maciel foi oito anos vice de Fernando Henrique, quatro anos dos quais quando Miguel Arraes era governador de Pernambuco (1995-1998). Os dois, sem nunca trocarem acusações públicas, foram de fato os grandes adversários na política estadual no final do século XX. Cada qual com seus pendores para definir estratégias políticas e eleitorais, usando táticas de mestres, com armas de ataque e defesa. Cada um no seu campo, com visões diferentes de mundo. Arraes reflexivo, carregando a experiência amarga do exílio, a enxergar lá na frente e enquadrar seus objetivos locais, sempre buscando libertar o povo do domínio das oligarquias. Maciel vendo no poder a alavanca para alcançar suas conquistas, como de fato ocorreu, ao abrigo do governo instaurado pelo golpe de 1964 que, na fase declinante, ele ajudou a demolir, seguindo à risca a estratégia traçada pelos militares da transição lenta, segura e gradual.

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