O motor da luz

LUIZ CARLOS ALBUQUERQUE

Estávamos no final de 1957. Em Cajazeiras, alto sertão paraibano, reinavam, nas noites varridas pelas aragens que sobravam do Araripe, o motor de luz e Edite. Ela, como rainha de outras artes, dona de uma pensão de mulheres. No começo da noite, ao lusco-fusco, o motor era acionado e ofegava até onze horas, espalhando pontos de luz amarela que varavam os escuros. Faltando alguns minutos para ser desligado, a luz sumia por instantes e voltava; aviso para a luz sumia por instantes e voltava; aviso para que todos se recolhessem, procurassem suas casas e os casais se despedissem. Um toque de recolher.

Durante o dia, a cidade suava. O sol, naquelas paragens, ficava mais perto do chão. O comércio funcionava devagar, as pessoas procuravam sombra. Se havia inverno, corria dinheiro, a vida seguia boa, a cidade se levantava. Nos tempos de seca, um inferno. Teve gente que viu um teju (Tupinambis teguixim), bicho resistente ao maior estio, pular de uma oiticica (Licania rigida) da estrada, na bagagem de um ônibus que passava para São Paulo, numa seca des­sas.

Nessa situação, quando alguém, um dia, anunciou que Cajazeiras iria receber energia elétrica da usina de Coremas, que mais tarde se integraria ao sistema Chesf, anunciava o começo de uma era e o fim de um jugo, o fim das trevas. A luz amarela e fraca do motor da luz daria lugar ao clarão da modernidade. Chico Sales, vereador paparicado entre as meninas de Edite, afeito a prosopopeias, chegou a dizer, à luz de lamparinas, que Cajazeiras, em cinco anos, poderia ser para o Brasil o que Detroit era para os Estados Unidos. Uma rapariguinha recém-chegada do Crato, suspirou num canto e enrabichou de vez. Nessa noite, ele passou bem, comeu do bom e do melhor. Quanto ao vaticínio, em curto prazo, só veio a funcionar uma indústria de doce de goiaba – coisa fina, um manjar.

É bem verdade que a cidade viveu meses de sofrimento. Os buracos nas ruas, o motor da luz falhando, os cabos sendo substituídos, os postes sendo trocados, as instalações mudadas, os casais se aproveitando dos escuros – a vida um caos temporário cheio de esperança. Berí, moçoila gentil e trêfega, no meio daquela situação, chegou uma noite em casa, juntou pai e mãe, serviu chá de cidreira (Citrus medica) e, diante dos dois abismados, alertou:

– Se essa situação não se resolver logo, fico buchuda!

LUIZ CARLOS ALBUQUERQUE É PSIQUIATRA E ESCRITOR.

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