Os espetinhos do caos

A cidade se movimenta em profusão de mesas e cadeiras espalhadas em calçadas, se ramificando em pedaços de ruas. Em múltiplas esquinas, em espaços de praças, a fumaça de fogareiros se mistura com vozes, buzinas e odores de espetinhos que irão deliciar mesas e bocas avidas de prosas e farofas.

Mas aí quebra-se o encanto. O que parece sonho de cidade torna-se pesadelo para aqueles que trafegam ou caminham por suas ruas, sobretudo, nos finais de tarde e bocas de noite. Aos pedestres, para transitar, disputando a vida com apressados veículos, restam apertados espaços entre carros e motos estacionados aleatoriamente em leitos de rua.

Em outros pontos centrais da cidade o espetáculo nada aprazível começa ainda nas primeiras horas da manhã. Enormes churrasqueiras se espraiam por calçadas espalhando odores e sabores de cozinhas nossas de infância em manhãs de domingo. Mas a fumaça e o calor que emanam daqueles apetrechos dispostos em pontos centrais da cidade dissipam toda lembrança e nos mergulha na feia realidade de uma cidade que, descuidada, vai permitindo a proliferação de informais negócios que pululam e se multiplicam à revelia de quaisquer medidas de ordenamento, fiscalização e disciplinamento.

E vamos circulando pela cidade, em vários pontos de suas ruas centrais, mas também em bairros tantos, e vamos treinando os movimentos de nos esgueirarmos entre churrasqueiras, fumaças, carros e motos que forçam aos pedestres a arriscada aventura de transitar pelos leitos de ruas e avenidas enquanto calçadas se convertem em locais de estacionamento.

Ora, mas o que importa! A fumaça dos espetinhos justifica o caos do trânsito, o desgoverno da cidade, a configuração feiosa de ruas e praças. Apenas a torpe justificativa de sobrevivência de alguns no torvelinho da crise pontua as frequentes explicações oficiais para tamanha balburdia urbana.

E, por falar em estacionamento. Este é outro ponto que, na cidade, expõe como a desordem se configura como legalidade urbana. Em múltiplos pontos de calçadas pululam estacionamentos oficialmente improvisados para proprietários e clientes de escritórios, clínicas, consultórios e outras atividades. Carros bem protegidos nos, oficialmente improvisados, estacionamentos de calçadas, em ruas centrais da cidade, arremessam pedestres a exposição de colocar a vida em perigo pela circulação entre carros e motos que, em velocidade, exigem dos caminhantes a perspicácia de se proteger de um atropelamento.

E, nesse frenesi urbano de caos, a cidade segue esfumaçada por espetinhos e entulhada por estacionamentos tortos.

E ando um tanto quanto desconfiada que até mesmo o gabinete do prefeito se converteu em estacionamento ou barraca de espetinho.   

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