Onde nasce o preconceito

Onde nasce o preconceito? Essa pergunta ganha dimensão e relevância no momento em que a situação geográfica e de lugar passa a ser usada de forma raivosa e prepotente como uma maneira, nem sempre sutil, e com toda uma carga de veneno cultural e político revelador de uma elite europeizada e presunçosa, para desqualificar a capacidade crítica de pessoas que nascem e residem em determinado lugar para fazer e assumir opções políticas.

A ignorância não é uma condição determinada pela situação geográfica e de lugar. O analfabetismo não pode ser explicado como uma incapacidade e inabilidade dos indivíduos que, atrofiados e calcinados pela fome e pela miséria, não desenvolvem a capacidade de ler e interpretar o mundo, tornando-se subservientes e assujeitados aos ditames e as ordens de grupos e líderes. Grupos e líderes que utilizam estratagemas degradantes como esmolas e rações mínimas de saúde, alimento, humanidade como maneira de manter a sujeição e a dependência.

Ora, mas a ignorância política, o analfabetismo político, a miopia eleitoral que os arautos do saber e da prepotência apontam como sendo uma exclusividade dos “rincões” e dos “grotões“ atrasados do Nordeste não podem ser aceitos como verdades inquestionáveis e naturais. Não é o nordestino que é atrasado, com atrofia intelectual incapaz de possibilitar uma leitura da realidade. A ignorância, o analfabetismo, o atraso intelectual são conseqüências de um modelo de desenvolvimento que, há vários séculos, foi a matriz que orientou a ação e as atitudes dos grupos e setores políticos que assumiram o controle do poder e do governo.

Grupos e setores responsáveis pela miséria de milhões de pessoas que, famintas de pão, de trabalho, de moradia, de educação, de assistência de saúde, foram forçadas a sobreviver com as migalhas racionalmente liberadas por esses grupos. Migalhas que favoreceram a subserviência como única alternativa de sobrevivência.

E são desses grupos que, secularmente, usaram a miséria como estratégia de manutenção do poder, de onde agora emergem as vozes que rotulam de atraso e de ignorância, a opção que milhões de pessoas assume de decidir por outra alternativa de desenvolvimento diferente, onde o pão e o circo não sejam as únicas e exclusivas possibilidades de cidadania. Onde as secas não mais produzem o deprimente espetáculo do flagelo e da fome. Onde o caminho da escola e da universidade seja uma trilha acessível ao filho do operário, do agricultor, do gari. Onde nossa voz seja entendida em qualquer fórum mundial com a altivez de quem não mais se curva aos ditames de organismos financeiros que determinavam regras econômicas, definiam normas de produção e extorquiam recursos e possibilidades de crescimento verdadeiro.

Foram esses grupos e setores que, nos últimos quinhentos anos alimentou o analfabetismo, a miséria, a doença, a carência de moradia, as frentes de emergência como espaços propícios a ignorância e o atraso. Romper como esse círculo é sintoma de capacidade crítica de compreensão da realidade. Jamais atraso e ignorância.

Assim, entendemos onde nasce o preconceito. De que matéria ele se alimenta e como esperneia para preservar privilégios e benesses.

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