A realidade paralela

Alguns brasileiros, ainda bem que em minoria, insistem em viver uma realidade paralela. Para eles hoje o Brasil é um país que deixou a corrupção para trás, temos uma economia vigorosa, não há desemprego, nem fome, a Amazônia está preservada, estamos vencendo a pandemia graças a uma ação competente e determinada do governo federal, inexiste a política do toma-lá-dá-cá na nomeação dos cargos do poder executivo, há respeito à ciência, adota-se uma postura de transparência nos atos governamentais, respeito à liberdade de imprensa e obediência à Constituição.

Discursos que não se amparam nos fatos. Delírios ideológicos com o propósito de esconder as verdades evidentes. A robotização da comunicação e as redes sociais, mantêm essa retórica tentando minar as estruturas democráticas que formam a sociedade civil, com o olhar voltado para as eleições do próximo ano. A mentira sistematizada oficialmente. Os debates baseados nas emoções, não nos argumentos. O campo da política dominado por manifestações de incivilidade.

Impressiona que pessoas, mesmo aqui morando, aceitem conformadas essa intencional distorção da realidade que estamos vivendo. A cena política e econômica do país contraria profundamente os disparates teimosamente propagados. Ignoram estranhamente os graves problemas reais que estão a nos afligir. Como se estivéssemos vivendo o mundo das maravilhas. A construção de um mundo da fantasia.

Felizmente esses devaneios autoritários e reacionários estão fazendo com que muitos estejam acordando para a trágica realidade. O sonho do autogolpe já foi entendido como impossível. Mas não desistem de criar ilusões que mantenham uma base de apoio político que garanta, pelo menos, disputar a reeleição com chances de ir ao segundo turno. Porém a racionalidade começa a imperar majoritariamente.

O sociólogo americano William Thomas afirma que “quando uma ilusão é percebida como algo real, mesmo não sendo, tem as mesmas consequências que a realidade”. É isso que estamos experimentando. Os populistas da extrema direita são profundamente narcisistas, o que os motiva a estarem sempre buscando promover espetáculos que os coloquem no centro das atenções. O entretenimento é muito importante para eles. Isso ajuda o jogo da manipulação de consciências. O diversionismo como estratégia para camuflar a falta de competência e propositividade, transferindo responsabilidades de suas ineficiências para os adversários.

Esta realidade paralela que forçam criar está fundamentada em três tipos de ações: 1. O uso de fatos alternativos para elaborar suas narrativas; 2. A terceirização de responsabilidades; e 3. A produção de tensionamentos com outros atores e instituições, ao se verem pressionados por crises. Para eles a verdade não é um valor absoluto. Pode ser relativizada para atendimento de seus interesses, na compreensão de que não deva ser oferecido espaços para contestações, fazendo com que a versão seja mais importante que os fatos.

Essa realidade paralela está restrita aos que fecham os olhos para o óbvio, recusando a percepção da situação verdadeira que salta à vista dos que têm consciência crítica e bom senso.

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