Rosilda Cartaxo: uma mulher à frente do seu tempo

A biografia de Rosilda Cartaxo, uma das patronesses da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL, cuja celebração do seu centenário de nascimento ocorre nesta semana, é motivo de orgulho para a Paraíba. Ela trazia na personalidade a marca da versatilidade com que participava do movimento cultural de nosso estado, em especial da história do alto sertão paraibano, onde nasceu. Era uma mulher que estava além do seu tempo, assumindo sempre posições de vanguarda na construção da imagem feminina intelectualizada. Teve presença brilhante no universo sócio-cultural da Paraíba, como escritora, historiadora e educadora, contribuindo assim para avanços conquistados em razão da sua competência e da consciência cidadã que possuía.

Tive a satisfação de conhecê-la pessoalmente, até porque foi uma grande parceira de meu pai em muitas das atividades culturais que chegaram a promover em Cajazeiras, São João do Rio do Peixe, Patos e João Pessoa. Deusdedit Leitão, em seu livro autobiográfico “Inventário do Tempo”, fez questão de registrar que, com ela “construiu uma amizade que resistiu a diferenças político-partidárias circunstanciais e manteve-se incólume através do tempo, seguindo os mesmos trilhos  do idealismo cultural em Patos e na cidade de João Pessoa, no companheirismo fraterno da Reitoria da Universidade da Paraíba e do Instituto de Genealogia  e do Instituto Histórico”. 

O compartilhamento nas ações voltadas para a cultura se iniciou em janeiro de 1945, quando durante os festejos da padroeira da cidade Antenor Navarro, como assim era chamada antes de se tornar São João do Rio Peixe, criaram um jornalzinho que recebeu o nome de “O Sombra”, que viria a ser o primeiro jornal impresso a circular naquele município.  

Voltaram a percorrer juntos os caminhos da cultura, em 1949, ao participarem da fundação do Centro de Estudos e Pesquisas Históricas de Patos, que congregava figuras destacadas da intelectualidade patoense com o propósito de realizar pesquisas e estudos sobre os registros históricos daquele município.  Já por volta de 1951, dividiram responsabilidades na oferta de contribuições literárias para a revista “Letras do Sertão”, editada em Sousa.  

Em 1975, dedicou-se ao trabalho de reorganização da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, cuja eficiência demonstrada e entusiasmo manifestado pela historia, fizeram com que,meu pai, que exercia o cargo de presidente daquela instituição cultural, propusesse seu nome para integrar os  quadros do IHGP como sócia efetiva.. Eleita por unanimidade, tomou posse em 22 de setembro, ocupando a cadeira de numero 27, sendo saudada pelo historiador Wilson Seixas. Passou a ser frequentadora assídua das sessões daquela entidade cultural, tendo exercido as funções de tesoureira, segunda secretária, chegando a ser, em 1983 a primeira mulher a presidir um instituto histórico no Brasil. 

Sua gestão no IHGP coincide com a programação comemorativa do IV Centenário da Paraíba, ofertando participação efetiva nos eventos culturais promovidos pelas instituições de governo e entidades da sociedade civil organizada. A Comissão do IV Centenário, em reconhecimento pela contribuição do IHGP, concedeu ao Instituto a maior condecoração outorgada às instituições culturais, tendo Rosilda Cartaxo recebido das mãos do professor José Otávio de Arruda Melo uma medalha de prata. Instalou o Memorial da Revolução de 30, com um acervo constituído de documentos, móveis e retratos que pertenciam ao presidente João Pessoa, além de uma bibliografia sobre a Revolução de 30. Incentivou a manutenção de intercâmbio com as entidades culturais do Estado, nacionais e internacionais, visando acordos e convênios. Firmou convênios com as Prefeituras Municipais para a pesquisa histórica dos municípios paraibanos e publicação das respectivas monografias. Defendeu a adoção do livro didático para as escolas do 1º e 2º graus escritos por professores paraibanos. 

Rosilda Cartaxo iniciou sua vida de escritora com o lançamento do livro “Estrada das Boiadas”, lançado em 1975, em João Pessoa, pela Nopigral, prefaciado pelo historiador Deusdedit de Vasconcelos Leitão, oportunidade em que meu pai proclamou que ela “desenvolveu o seu ensaio fundamentando-se na importância histórico-sociológica daquelas vias de comunicação”. Em carta que lhe foi endereçada pelo escritor Câmara Cascudo, com comentários sobre o seu livro, está consignada a seguinte declaração: “Seu livro forte e claro, levou-me a rever a paisagem áspera e linda da “Estrada das Boiadas” , que ficara nos meus olhos-meninos. Quanta motivação sua vive em mim como uma permanência sentimental. Não apenas li, mas vivi esta “Estrada das Boiadas” , roteiro dos seus e meus avós. Deus a abençoe. 

Em 1989, editado pelo Centro Gráfico do Senado Federal, lançou o livro “As Primeiras Damas”, escrevendo sobre as consortes dos administradores paraibanos, incluindo aí figuras do período colonial, como a Viscondessa de Cavalcanti, as Baronesas do Abiaí, de Mamanguape e de Mamoré. No período republicano, ela começa com Dª Mary Sayão Pessoa, esposa do presidente Epitácio Pessoa, até chegar a Glauce Maria Navarro Burity. 

“Mulheres do Oesste” é seu último livro, publicado no ano 2000, pela Halley S. A. – Gráfica e Editora, de Teresina, Piauí, pertencente ao cajazeirense João Claudino. Esse trabalho de 248 páginas, foi apresentado pelo historiador Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, em movimentada sessão ocorrida no auditório do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Rosilda destaca as mulheres pertencentes a tradicionais famílias de Cajazeiras, São João do Rio do Peixe e de Sousa, começando por sua mãe, Dª Maria Cartaxo Dantas. 

Como ressaltei no início desse meu depoimento, Rosilda Cartaxo era uma mulher à frente do seu tempo, basta ver alguns das suas manifestações sobre questões polêmicas do mundo na sua contemporaneidade: 

“Comecei logo brigando com São Pedro, quando disse: “sujeitai-vos aos vossos maridos”. Por isso, não me casei. Este domínio me metia medo; não quis ser sujeita. A mulher hoje não precisa de piedade; ela está assumida, liberada, mas está precisando de posicionamento”. 

Em outra oportunidade, ela afirmou: “Gosto de fazer justiça. Jamais neguei a mão aos que desceram de pedestais, motivados pela perseguição política”. 

Carregava em si uma autenticidade que surpreendia quando se pronunciava sobre assuntos que muita gente se recusava a questionar ou emitir opiniões. Combateu corajosamente os preconceitos e as mentiras sociais. São muito justas as homenagens que a Academia Cajazeirense de Artes e Letras está a lhe prestar por ocasião do centenário de seu nascimento. Sua história de vida é, sem dúvidas, inspiradora para as gerações que vêm lhe sucedendo.  

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