Hora de pintar

Uma das melhores ordens que eu cumpria na minha infância e assim perpetua, eu comigo mesma, é a que a professora dizia: hora de pintar. As portas do paraíso se abriam: meu estojo com lápis de cores. O caderno de desenho me olhando, pedindo para ser preenchido com alguma coisa, algum tracinho de mim.

Outra ordem se fazia chegar aos meus ouvidos como uma hipnose. Era o tema do dia. E algo mágico porque era sempre surpresa. Que bom. Não precisávamos saber mesmo, naquela alturinha da vida, o que era planejamento de aula, temas perpendiculares, temas tangenciais, questões multidisciplinares, atividades paralelas, bibliografias. Nossa preocupação urgente, e muito urgente, era soltar a imaginação. Naquele momento, estávamos fazendo uma atividade.

Com o tema lançado no ar, começávamos. Fazíamos gato e sapato, mas tudo em discrição, sem bagunça. Tudo no papel. Trocávamos ideias, eu e outros artistas mirins da pequena galeria, na primeira sala à direita. Lembro de sempre cuidar do material de trabalho. Importante. Apesar da caracterização lúdica, infantil e divertida, era um tipo de labor porque eu queria que o produto saísse belo, redondo, caprichado. Isso não parecia qualidade. Muitas vezes, era uma pincelada de sofrimento.    

Desde esse tempo, compreendo que cada cor apresenta uma linguagem. Pinto, colo, repinto, costuro, reinvento. Escrevo. Reescrevo. Estudo. Reestudo. Leio. Releio. As pinturas são um misto de inspiração e experimentação. Toda tela conta com um quê de motivo, uma fagulha de começo, uma certeza de aprendizagem. Estou feliz porque minha amiga Wandneia Magdalon adquiriu a tela Amor de Maria. Emocionante como as pessoas descrevem o que sentem quando olham a imagem. Cada um sente de um modelo, de um tom, de um movimento. Isso é divino. Mais feliz ainda porque tenho outras encomendas. Cada dono com sua fina explicação para a futura aquisição. 

A amiga baiana Silvana Mota quer o símbolo da ioga para colocar na porta da clínica de terapias ayurvédicas; Professor Celso, meu vizinho, quer um gato alaranjado para dar de presente à filha; Seu Juarez Neves, meu amigo alfaiate, peça rara na cidade, quer uma paisagem para relembrar a infância na roça; o leitor cajazeirense João Damasco Braga quer uma raposa, para lembrar seu time do coração na Rainha da Borborema. Todos os pedidos com aplicadas justificativas; cada intenção com seu tamanho, objetivo, método. Todos terão um pedaço da minha essência em suas casas. Quanta honra. Hora de pintar. Sim. Agora.  

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