Procissão da chuva

Vi as imagens na televisão e fotos nos jornais. Em pleno século vinte e um, na maior cidade do Brasil lá estava uma ruma de gente piedosa a cantar e rezar, pedindo chuva a Deus. Por coincidência, chovia na hora da procissão e os participantes iam de guarda-chuva aberto. A Igreja patrocinou o ato que reuniu apenas 1.500 pessoas conduzidas pelo arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, também oficiante da missa ao final da caminhada.

Quando vi as cenas, imagens antigas povoaram minha mente, arrancadas da memória de secas brabas, do meu tempo de menino em Cajazeiras. Participei de vários atos de fé semelhantes, acreditando, como bom cristão que eu era, na eficácia de nossas preces, elevadas ao céu na esperança do gesto salvador da bondade divina. Deus não deixaria de atender à manifestação coletiva de seu povo, contrito, a andar nas ruas, sem deixar escapulir dos lábios nenhuma dúvida ou abafar pensamentos sombrios transformáveis em muxoxo, como a dizer baixinho: estamos perdendo tempo. Não. O sertanejo quando participa da procissão pela chuva nunca põe gosto ruim. Ele sabe que sua última esperança está lá em cima, nas mãos de quem possui infinita visão e, portanto, enxerga tudo em toda parte. Aqui é assim.

Não sei se em São Paulo é desse jeito.

Dom Odilo puxou o cortejo, com paradas nas igrejas de Santo Antônio e São Francisco, para pedir a esses santos um adjutório em reforço às súplicas diretas a Deus. Faltou recorrer a São José, nosso santo preferido nas horas amargas quando a vaca morre na manga sem pasto, o leite some no curral, o bode berra com sede, a galinha cisca, cisca e nada encontra pros pintos, as aves arribam em busca d’água e o matuto escora na parede a enxada inútil. Nesse tempo São José cresce a nossos olhos. Agiganta-se. Encostado a Deus, José faz o meio de campo. Pede a chuva do milho de São João. Sem ciúmes. São Paulo não entende disso.

O arcebispo de São Paulo acredita na eficácia do apelo coletivo. Por isso, participou da procissão pela água. E, pensando no sofrimento do povo nordestino, justificou-se: “Agora, descobrimos que conseguimos viver com menos água. Não é coisa de cidade pequena. A fé se faz em toda parte. São Paulo também precisa de água.” E deu uma cutucada. “Pedir água a Deus não exime ninguém, nem políticos nem cidadãos, da responsabilidade pela falta d’água.” O leitor prestou atenção? Ele disse, “agora”! Quer dizer, no século vinte e um, no ano de 2015! Cem anos depois do “Quinze”, de Raquel de Queiroz. E 138 anos da grande seca de 1877, quando padre Rolim foi obrigado a fechar seu famoso colégio. Sempre houve seca. Desde que o índio era dono das terras, talvez, sem saber.  E a procissão deu resultado?

Em São Paulo parece que sim. No ato. Até molhou o arcebispo. E serviu de desculpa para a merreca de gente na procissão. 1.500 pessoas em Sampa não vale nada. Mesmo assim, Deus ouviu. E atendeu.

E em Cajazeiras?

Aqui vamos bem, pelo menos nas postagens feitas, diariamente no Face, por José Antônio, com foto de pluviômetro e até de pingo d’água… E vez por outra de nuvens carregadas. Que pena, a ventania espana pras bandas do Cariri! Prestígio de padre Cícero? Melhor crer em Deus do que na promessa de Dilma. E orar para a chuva encher Boqueirão porque do Rio São Francisco vai chegar (quando mesmo?) água com cheiro de petróleo…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Milagre

Tudo que somos capazes de fazer serve para que os empecilhos do caminho sejam desbastados, e com isso,…
Total
0
Share